quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Tempo da reforma agrária acabou, afirma sociólogo
FOLHA - Por que o sr. acha que o tema saiu da agenda principal?
ZANDER NAVARRO - Sejamos francos: se fosse apenas por uma decisão exclusivamente presidencial, nem mesmo teríamos mais ações em reforma agrária. Lula não interrompe tal programa em face das inevitáveis conseqüências políticas que adviriam e do poder da inércia que tem tal bandeira na visão de alguns setores sociais, incapazes de perceber que o mundo rural brasileiro mudou radicalmente nos últimos 30 anos. Este relativo distanciamento da parte principal do governo em relação à reforma agrária reflete o que todos sabemos, mas ninguém parece ter coragem de dizer claramente: o tempo histórico da reforma agrária passou.
FOLHA - Por que o sr. diz que o tempo da reforma agrária passou?
NAVARRO - O Brasil não tem mais razões, de nenhuma ordem, para mobilizar consideráveis recursos para promover uma ampla redistribuição de terras. Passamos a ser um país predominantemente urbano e insistir na existência de uma "questão agrária brasileira" é uma miopia de quem tem os pés no passado remoto.
As demandas sociais apropriadas para a população rural mais pobre são outras, pois a atividade agrícola não garantiria a sobrevivência daqueles que recebessem sua parcela de terra. Sequer existe uma demanda social digna do nome que justifique tal esforço e uma boa parte do que o MST organiza como formas de pressão, é constituído por membros de famílias de assentados mobilizados para tanto.
Só se justifica uma ação mais abrangente de redistribuição de terras na ampla região que se estende da metade norte de Minas Gerais e até o Maranhão ocidental. Nela, encontramos a vasta maioria da população pobre ainda residente em áreas rurais e as atividades agrícolas não são significativas para o conjunto da agropecuária.
Ou seja, se realizada massivamente nesta região, reduziríamos de forma importante os níveis de pobreza no Brasil e eliminaríamos da vida política os remanescentes das oligarquias. (ÍNTEGRA DA ENTREVISTA)
É bem isso. Até os anos 60, lá na minha Turiba (bairro rural de Itaberá-SP), cada família só conseguia plantar (antes do trator) cerca de 10 ha. Predominava a cultura de milho: 400 sacos por safra (note bem: um quarto da produtividade atual!). Mesmo assim, dava para a sobrevivência, modesta. Alguns até progrediram, mandaram filhos para estudar na cidade. Poucos tinham terra própria, arrendavam.
Nessa época, reforma agrária fazia todo o sentido. A terra era o principal fator de produção. Bastavam terra e vontade de trabalhar.
E agora? Agora mudou tudo. Pequenas áreas ficaram inviáveis economicamente. Há que haver certa escala, áreas maiores, para viabilizar a utilização de novas tecnologias, para o lucro aparecer.
Como é sabido, o aumento de produtividade reduz o preço dos produtos. Quem tem maior produtividade pode vender por menos (custo menor). Isso é bom para o consumidor, mas ruim para os pequenos produtores (queda de receita).
Justamente por isso ocorreu o êxodo rural ... que continua ocorrendo. Há na região, atualmente, áreas pequenas "abandonadas" pelos proprietários ("criando cobra"), que se mudaram para a cidade atrás de emprego (ou trabalham em fazendas vizinhas).
Reforma agrária vai resolver, se pequenos (até médios) proprietários estão "abandonando" suas áreas ... por não mais conseguirem sobreviver delas ...
Milho, feijão, criação de porcos, que foram pilares da economia regional, todas essas atividades tornarem-se inviáveis em pequena/média escala. O que está salvando as pequenas propriedades é o leite. "Ruim, mas dá pra despesa.". Até quando?
Anotem: quando o Brasil voltar a crescer (e gerar empregos), os assentados da reforma agrária engrossarão o êxido rural. Ou antes, se o governo cortar as ajudas. Quem viver, verá.

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1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Prezado Sebastião -

Gostei do seu comentário e gostaria de reproduzi-lo no Jornal de Debates, ponde estamos discutindo o tema (veja aqui: http://www.jornaldedebates.ig.com.br/index.aspx?tma_id=816 )

Aguardo retorno com o seu OK.

Obrigado!

Ricardo Paoletti
Editor
Jornal de Debates
ricardopaoletti@hotmail.com

4:02 PM  

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