sábado, dezembro 29, 2007

O ano em que ficamos "sustentáveis"

CLAUDIO ANGELO, Folha de São Paulo

DOIS MIL E SETE já garantiu seu lugar na história como o ano em que nos tornamos sustentáveis. Ou melhor, "sustentáveis". Assim mesmo, entre aspas.
Neste ano, vimos a verdade inconveniente da mudança climática se transformar em verdade inconteste pelas mãos do IPCC, sigla que já dispensa explicações. O aquecimento global saiu do gueto dos abraçadores de árvore para ganhar as manchetes dos jornais (três vezes só nesta Folha), virar tema de conversa de boteco, levar um Prêmio Nobel e -glória suprema- decidir a eleição em um país rico, a Austrália.
Nunca antes na história deste planeta se ouviu tanto a palavra "sustentável", e de fontes tão insuspeitas: de propagandas de bancos a anúncios de governo a discursos de George W. Bush. Exatos 20 anos após ter sido cunhado, o conceito de sustentabilidade atinge o auge da fama- e da apropriação indébita.
As instituições financeiras nacionais gastam milhões em anúncios de TV, imprimem cheques em papel reciclado e criam linhas de financiamento para o consumidor "sustentável" comprar sua picape a diesel e compensar suas emissões plantando arvorezinhas. Fariam muito mais pelo país e pela sustentabilidade (sem aspas) se parassem de financiar os pecuaristas e outros "heróis" do agronegócio que desmatam ilegalmente a Amazônia e elevam as emissões de CO2 do Brasil.
O governo Lula, em sua esquizofrenia ambiental, comemora a queda no desmatamento e promove o álcool como solução "sustentável" para o efeito estufa ao mesmo tempo em que leiloa termelétricas a carvão. Depois encontra petróleo na bacia de Santos e silencia sobre os efeitos climáticos do "Brasil na Opep". Um membro do governo afasta temores de que isso vá transformar o país num grande emissor de gás carbônico: "O petróleo será exportado", tranqüiliza. Por essa lógica, a Arábia Saudita é perfeitamente "sustentável". Brasília faria mais pela sustentabilidade se aposentasse a obsessão stalinista do gabinete por térmicas e por grandes hidrelétricas na
Amazônia e investisse em eficiência energética (até a China faz isso!), renováveis e, se não der para resistir, em energia nuclear.
Por fim, os diplomatas dariam uma grande contribuição se boicotassem a tal reunião das "Grandes Economias" convocada por Bush para janeiro. O atual governo americano tentou e quase conseguiu transformar a conferência do clima num fracasso. Oferece como alternativa uma feira de negócios. Já é mais do que hora de passar a borracha sobre Bush e esperar os democratas assumirem.
Enquanto nada disso acontecer, aspas insustentáveis pairam sobre 2008.
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