terça-feira, julho 28, 2009

Folha de S. Paulo
Câmbio é coisa séria
Benjamin Steinbruch

O MERCADO interno tem sido a viga mestra da recuperação da economia brasileira pós-15 de setembro. Mas será que apenas a demanda interna poderá sustentar o crescimento durante muito tempo, a ponto de estimular os investimentos e garantir um novo ciclo de prosperidade para o país?

Infelizmente, a experiência histórica de países como Japão, Coreia e China mostra que a resposta é não.

Têm sido muito elogiadas as medidas anticíclicas tomadas pelo governo brasileiro, que permitiram estimular o reaquecimento de alguns setores importantes da indústria, como os de automóveis, eletrodomésticos e da construção civil.

Os elogios são merecidos. Provavelmente, sem as desonerações de IPI e os apoios creditícios ao consumo, o país estaria hoje na UTI.
A análise responsável do atual momento, porém, obriga o observador privilegiado do setor industrial a fazer um alerta sobre a perda de competitividade do parque manufatureiro do país.

Algumas estatísticas muito preocupantes foram publicadas nas últimas semanas. Agravou-se o déficit comercial da indústria brasileira, que atingiu US$ 6 bilhões no primeiro semestre do ano. Isso ocorreu não em função do aumento de importações de equipamentos para investimentos produtivos -o que seria saudável-, mas principalmente por causa da forte redução (28%) das exportações. No primeiro semestre, a indústria exportou apenas US$ 38 bilhões, US$ 15 bilhões a menos que no mesmo período do ano passado.

A elevação do déficit da indústria se deu na contramão da tendência geral da balança comercial brasileira, cujo superávit no período cresceu de US$ 11 bilhões para US$ 14 bilhões. O que deixa evidente o agravamento da tendência nada louvável de concentração da pauta de exportações do país em produtos primários ou semi-industrializados.

Provoca apreensão igualmente o relacionamento comercial com os Estados Unidos. A Folha mostrou, na quarta-feira passada (pág. B1), que no primeiro semestre o Brasil teve um déficit comercial de US$ 2,5 bilhões com os EUA, o primeiro em dez anos. Esse resultado decorre em parte da própria recessão, que reduziu importações daquele país, mas também tem muito a ver com perda de espaço dos manufaturados brasileiros para os chineses no mercado americano, especialmente calçados, confecções e autopeças.

Não é hora de espalhar pessimismo. Até porque a economia brasileira vem reagindo bem à crise global. É inadiável, contudo, prestar atenção ao que ocorre com a taxa de câmbio no Brasil. Depois de decolar no início da crise, o dólar caiu seguidamente e está agora em torno de R$ 1,90. As exportações da indústria definham em razão da crise e de protecionismos alheios, mas também por causa dessa taxa de câmbio insuficiente para remunerar a produção.

A indústria brasileira precisa estar preparada para o momento em que a economia mundial começar a retomar a demanda de manufaturados. Sem uma taxa de câmbio remuneradora, ela terá poucas chances de se preparar, porque continuará perdendo espaço nos mercados externos.

A falta de uma política cambial afirmativa é certamente o maior problema da economia brasileira no atual cenário. O estímulo ao mercado interno é bem-vindo. Todavia, não se pode ter a ilusão de que, com o real valorizado como está, será possível sustentar o crescimento da indústria. Deixar que o setor manufatureiro continue a perder exportações da forma que perde hoje será um grave equívoco.

BENJAMIN STEINBRUCH , 55, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

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