segunda-feira, novembro 30, 2009

Árvore de natal

Direto do produtor

Preços acessíveis.

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O Globo
Um dilema brasileiro
Antonio Carlos Lemgruber

Qual é esse dilema? A melhor taxa de câmbio para a inflação é a pior taxa de câmbio para o crescimento e para a balança comercial.

No momento, a taxa de câmbio dólar/real em torno de 1,70 agrada aos que não querem ver a volta da inflação, mas está matando os exportadores e consequentemente o emprego e a renda. A taxa está supervalorizada em um nível que pode ser o mesmo de 1994 (quando ficou abaixo de 1 por 1), ou num patamar que repete experiências populistas de taxas fixas de câmbio entre 1945 e 1964.

Durante o período de 1968 a 1994, o câmbio e a inflação se moveram em paralelo, no que foi chamado de sistema de minidesvalorizações, mas não foi uma solução completa, na medida em que a inflação — sem uma âncora — só fez acelerar, passando de 20% ao ano a quase 2.000%.

Entre 1996 e 1999, com FHC, houve uma introdução tímida de bandas (muito estreitas), mas a tentativa fracassou devido ao grau de supervalorização da moeda brasileira, às crises políticas dentro do Banco Central — e porque no fundo se tratava de uma taxa fixa.

Finalmente, adotou-se o regime de câmbio flexível a partir de 1999, juntamente com o sistema de metas de inflação.

O sistema de bandas cambiais é capaz de conciliar independência monetária (controle da inflação e dos juros) com um ritmo de atividade econômica e de exportações condizente com as necessidades de crescimento do emprego no país.

Vamos imaginar, por exemplo, 1,80 no limite inferior e 2,40 no limite superior — uma banda larga de 25% ou 33%, dependendo da medida pelo limite inferior ou superior.

Autores como Paul Krugman ou Lars Svensson (criador do sistema de metas de inflação) demonstraram que a independência da política monetária via taxas de juros permanece. Quando o câmbio se aproxima do nível inferior, a expectativa de desvalorização quebra a especulação desestabilizadora (no regime atual, os agentes acham que vai apreciar sem fim). E viceversa no limite superior.

A inflação vai bem, mas este não é o caso da produção de tradables manufaturados ou semimanufaturados.

Estamos atingindo um ponto, em matéria de câmbio, que beira o populismo.

O governo descobriu que inflação zero é mais importante do que desemprego baixo na hora dos votos (já que inflação afeta todo mundo e desemprego, numa visão cínica, somente afeta os desempregados).

Em diversos países do mundo adotam-se as bandas cambiais, inclusive no sistema monetário europeu. Tudo indica que a China caminha nessa direção, abandonando a taxa fixa. O Brasil não pode se dar ao luxo de ter taxas livremente flutuantes de câmbio, em face do efeito devastador dos fluxos financeiros — que está destruindo estruturas industriais — e também pela thiness (mercado fino, segundo Robert Mundell) do mercado.

O sistema de metas de inflação é compatível com as bandas cambiais. Já mencionamos que Lars Svensson, economista sueco, defende as duas coisas. Se o câmbio desvaloriza dentro da banda na direção de 2,40, a taxa de juros permanece instrumento poderoso (acoplada com a própria expectativa de apreciação cambial) para conter a inflação.

Evita-se a especulação desestabilizadora atual, quando uma apreciação gera expectativas de novas apreciações e uma desvalorização gera expectativas de novas desvalorizações.

Isto acaba quando há a introdução das bandas.

Está na moda dizer que a taxa de câmbio está relacionada ao nível de poupança. Daí o fato de se ter um câmbio desvalorizado na China e um câmbio valorizado no Brasil.

Nada mais falso. A correlação entre taxa de poupança e grau de supervalorização cambial não tem comprovação empírica. É apenas uma nova teoria elegante, sem evidências concretas.

O Brasil precisa urgentemente adotar bandas cambiais, para evitar o risco de se chegar à loucura de uma taxa de câmbio de 1 para 1, o que seria muito pior do que o período 19941999 em termos deflacionados.

ANTONIO CARLOS LEMGRUBER foi presidente do Banco Central.

Ignorância ou esperteza demais?
O Estado de S. Paulo
Afrouxando a fiscalização
Editorial

Vem do governo uma das críticas mais duras ao anteprojeto de Lei Orgânica da Administração Pública, que limita os poderes do Tribunal de Contas da União (TCU), chegando a praticamente acabar com as fiscalizações prévias. O texto contém equívocos conceituais e negligencia, de maneira inaceitável, o controle da legalidade dos contratos e da conformidade de sua execução, razão pela qual precisa ser profundamente alterado, afirmou o ministro-chefe da Controladoria-Geral da União (CGU), Jorge Hage, que responde diretamente ao presidente da República.

Elaborado por uma equipe de juristas constituída em dezembro de 2007, o anteprojeto foi concluído em julho último e está aberto à consulta pública no endereço eletrônico do Ministério do Planejamento.

A proposta de limitação das atribuições do TCU tornou-se a parte mais polêmica do anteprojeto porque o texto foi divulgado justamente no momento em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outros membros de seu governo intensificam as críticas ao órgão, acusando-o de paralisar - sem razões técnicas consistentes para tanto - muitas obras, especialmente as incluídas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), principal peça de propaganda eleitoral da candidata do governo à Presidência.

O ministro Jorge Hage fez as críticas em declarações ao jornal O Globo e durante a reunião do grupo de infraestrutura do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social convocada para discutir o anteprojeto. São vários os pontos criticados por Hage e por ministros e técnicos do TCU.

Entre as diretrizes definidas no anteprojeto está a realização do controle a posteriori das atividades dos órgãos públicos. O controle prévio ou concomitante à execução das obras ou dos serviços será exceção. Outra diretriz é o predomínio da verificação do resultado, ou seja, se a obra ou o serviço estiverem de acordo com o contrato, a fiscalização não precisará se preocupar com propinas, superfaturamento e outras ilegalidades.

O anteprojeto estabelece ainda que o controle externo não pode implicar interferência na gestão dos órgãos ou entidades a ele submetidos nem ingerência no exercício de suas competências ou na definição de políticas públicas. Assim, se o TCU determinar a suspensão de uma obra por causa da constatação de algum tipo de irregularidade na sua execução, como tem feito até agora, estará caracterizada a interferência na gestão do órgão responsável pela obra - e a ingerência não será permitida.

Também fica estabelecido que o controle externo não implica a exigência ou o processamento de exames prévios como condição de validade ou eficácia de atos da administração. Assim, não caberia ao Tribunal de Contas da União nem mesmo a tarefa de analisar editais de licitações, observou o secretário-geral de controle externo do órgão, Paulo Roberto Wiechers.

Essas regras tornariam letra morta o princípio no qual se baseiam a fiscalização do TCU e a ação da CGU: atuar preventivamente para evitar danos aos cofres públicos. O anteprojeto, observou o ministro Jorge Hage, propõe praticamente a eliminação do controle preventivo, quando a ideia é exatamente o contrário.

Ao propor o controle apenas dos resultados, o texto negligencia o controle da legalidade e conformidade, diz ainda o ministro. Basta saber se a obra foi feita, se o resultado está lá?, pergunta. E irregularidades na licitação? E se ela foi direcionada, se houve sobrepreço, conluio entre empresas? Isso, para Hage, é inaceitável.

Sem o trabalho preventivo do Tribunal de Contas da União, casos de superfaturamento e de pagamento de projetos que nunca saíram do papel não poderiam ser evitados. Haveria danos irreversíveis para o Tesouro. O presidente do Tribunal de Contas do Estado de Goiás, Gerson Bulhões Ferreira, diz que, em definição mais simplória, a norma que passaria a vigorar caso o anteprojeto seja aprovado seria aquela de que no Brasil a porta só poderia ser fechada depois que o ladrão tivesse levado da casa o que quisesse.

Se o anteprojeto for enviado ao Congresso da forma como está, o dever dos congressistas é rejeitá-lo.
O Estado de S. Paulo
Afrouxando a fiscalização

Editorial

Vem do governo uma das críticas mais duras ao anteprojeto de Lei Orgânica da Administração Pública, que limita os poderes do Tribunal de Contas da União (TCU), chegando a praticamente acabar com as fiscalizações prévias. O texto contém equívocos conceituais e negligencia, de maneira inaceitável, o controle da legalidade dos contratos e da conformidade de sua execução, razão pela qual precisa ser profundamente alterado, afirmou o ministro-chefe da Controladoria-Geral da União (CGU), Jorge Hage, que responde diretamente ao presidente da República.

Elaborado por uma equipe de juristas constituída em dezembro de 2007, o anteprojeto foi concluído em julho último e está aberto à consulta pública no endereço eletrônico do Ministério do Planejamento.

A proposta de limitação das atribuições do TCU tornou-se a parte mais polêmica do anteprojeto porque o texto foi divulgado justamente no momento em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outros membros de seu governo intensificam as críticas ao órgão, acusando-o de paralisar - sem razões técnicas consistentes para tanto - muitas obras, especialmente as incluídas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), principal peça de propaganda eleitoral da candidata do governo à Presidência.

O ministro Jorge Hage fez as críticas em declarações ao jornal O Globo e durante a reunião do grupo de infraestrutura do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social convocada para discutir o anteprojeto. São vários os pontos criticados por Hage e por ministros e técnicos do TCU.

Entre as diretrizes definidas no anteprojeto está a realização do controle a posteriori das atividades dos órgãos públicos. O controle prévio ou concomitante à execução das obras ou dos serviços será exceção. Outra diretriz é o predomínio da verificação do resultado, ou seja, se a obra ou o serviço estiverem de acordo com o contrato, a fiscalização não precisará se preocupar com propinas, superfaturamento e outras ilegalidades.

O anteprojeto estabelece ainda que o controle externo não pode implicar interferência na gestão dos órgãos ou entidades a ele submetidos nem ingerência no exercício de suas competências ou na definição de políticas públicas. Assim, se o TCU determinar a suspensão de uma obra por causa da constatação de algum tipo de irregularidade na sua execução, como tem feito até agora, estará caracterizada a interferência na gestão do órgão responsável pela obra - e a ingerência não será permitida.

Também fica estabelecido que o controle externo não implica a exigência ou o processamento de exames prévios como condição de validade ou eficácia de atos da administração. Assim, não caberia ao Tribunal de Contas da União nem mesmo a tarefa de analisar editais de licitações, observou o secretário-geral de controle externo do órgão, Paulo Roberto Wiechers.

Essas regras tornariam letra morta o princípio no qual se baseiam a fiscalização do TCU e a ação da CGU: atuar preventivamente para evitar danos aos cofres públicos. O anteprojeto, observou o ministro Jorge Hage, propõe praticamente a eliminação do controle preventivo, quando a ideia é exatamente o contrário.

Ao propor o controle apenas dos resultados, o texto negligencia o controle da legalidade e conformidade, diz ainda o ministro. Basta saber se a obra foi feita, se o resultado está lá?, pergunta. E irregularidades na licitação? E se ela foi direcionada, se houve sobrepreço, conluio entre empresas? Isso, para Hage, é inaceitável.

Sem o trabalho preventivo do Tribunal de Contas da União, casos de superfaturamento e de pagamento de projetos que nunca saíram do papel não poderiam ser evitados. Haveria danos irreversíveis para o Tesouro. O presidente do Tribunal de Contas do Estado de Goiás, Gerson Bulhões Ferreira, diz que, em definição mais simplória, a norma que passaria a vigorar caso o anteprojeto seja aprovado seria aquela de que no Brasil a porta só poderia ser fechada depois que o ladrão tivesse levado da casa o que quisesse.

Se o anteprojeto for enviado ao Congresso da forma como está, o dever dos congressistas é rejeitá-lo.

domingo, novembro 29, 2009

Bastam R$ 418 para criar igreja e se livrar de imposto

Após fundar igreja, reportagem da Folha abre conta bancária e faz aplicação isenta de IR

Além de vantagens fiscais, ministros religiosos têm direito a prisão especial e estão dispensados de prestar serviço militar


HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS, FOLHA DE SÃO PAULO

Bastaram dois dias úteis e R$ 218,42 em despesas de cartório para a reportagem da Folha criar uma igreja. Com mais três dias e R$ 200, a Igreja Heliocêntrica do Sagrado EvangÉlio já tinha CNPJ, o que permitiu aos seus três fundadores abrir uma conta bancária e realizar aplicações financeiras livres de IR (Imposto de Renda) e de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras).
Seria um crime perfeito, se a prática não estivesse totalmente dentro da lei. Não existem requisitos teológicos ou doutrinários para a constituição de uma igreja. Tampouco se exige um número mínimo de fiéis.

Basta o registro de sua assembleia de fundação e estatuto social num cartório. Melhor ainda, o Estado está legalmente impedido de negar-lhes fé. Como reza o parágrafo 1º do artigo 44 do Código Civil: "São livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento".

A autonomia de cada instituição religiosa é quase total. Desde que seus estatutos não afrontem nenhuma lei do país e sigam uma estrutura jurídica assemelhada à das associações civis, os templos podem tudo.

A Igreja Heliocêntrica do Sagrado EvangÉlio, por exemplo, pode sem muito exagero ser descrita como uma monarquia absolutista e hereditária. Nesse quesito, ela segue os passos da Igreja da Inglaterra (anglicana), que tem como "supremo governador" o monarca britânico.
Livrar-se de tributos é a principal vantagem material da abertura de uma igreja. Nos termos do artigo 150, VI, b da Constituição, templos de qualquer culto são imunes a impostos que incidam sobre o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com suas finalidades essenciais.

Isso significa que, além de IR e IOF, igrejas estão dispensadas de IPTU (imóveis urbanos), ITR (imóveis rurais), IPVA (veículos), ISS (serviços), para citar só alguns dos vários "Is" que assombram a vida dos contribuintes brasileiros. A única condição é que todos os bens estejam em nome do templo e que se relacionem a suas finalidades essenciais -as quais são definidas pela própria igreja.

O caso do ICMS é um pouco mais polêmico. A doutrina e a jurisprudência não são uniformes. Em alguns Estados, como São Paulo, o imposto é cobrado, mas em outros, como o Rio de Janeiro e Paraná, por força de legislação estadual, igrejas não recolhem o ICMS nem sobre as contas de água, luz, gás e telefone que pagam.

Certos autores entendem que associações religiosas, por analogia com o disposto para outras associações civis, estão legalmente proibidas de distribuir patrimônio ou renda a seus controladores. Mas nada impede -aliás é quase uma praxe- que seus diretores sejam também sacerdotes, hipótese em que podem perfeitamente receber proventos.

A questão fiscal não é o único benefício da empreitada. Cada culto determina livremente quem são seus ministros religiosos e, uma vez escolhidos, eles gozam de privilégios como a isenção do serviço militar obrigatório (CF, art. 143) e o direito a prisão especial (Código de Processo Penal, art. 295).

Na dúvida, os filhos varões dos sócios-fundadores da Igreja Heliocêntrica foram sagrados minissacerdotes. Neste caso, o modelo inspirador foi o budismo tibetano, cujos Dalai Lamas (a reencarnação do lama anterior) são escolhidos ainda na infância.

Voltando ao Brasil, há até o caso de cultos religiosos que obtiveram licença especial do poder público para consumir ritualisticamente drogas alucinógenas.

Desde os anos 80, integrantes de igrejas como Santo Daime, União do Vegetal, A Barquinha estão autorizados pelo Ministério da Justiça a cultivar, transportar e ingerir os vegetais utilizados na preparação do chá ayahuasca -proibido para quem não é membro de uma dessas igrejas.

Se a Lei Geral das Religiões, já aprovada pela Câmara e aguardando votação no Senado, se materializar, mais vantagens serão incorporadas. Templos de qualquer culto poderão, por exemplo, reivindicar apoio do Estado na preservação de seus bens, que gozarão de proteção especial contra desapropriação e penhora.

O diploma também reforça disposições relativas ao ensino religioso. Em princípio, a Igreja Heliocêntrica poderá exigir igualdade de representação, ou seja, que o Estado contrate professores de heliocentrismo.

Colaboraram os bispos CLAUDIO ANGELO, editor de Ciência, e RAFAEL GARCIA, da Reportagem Local

Aliados da corrupção

JANIO DE FREITA, FOLHA DE SÃO PAULO

Brasília foi transformada em fonte nacional, modelo e proteção da indignidade política e administrativa
O NOVO modelo de mensalão descoberto em Brasília contém ao menos três motivos para demonstrar-se de muita utilidade: explica bastante Brasília, o que são hoje os nossos centros de poder político-administrativo, e esta outra
inovação brasileira que é a "base aliada".


Brasília só é capital de República Federativa no papel, porque nem se constituiu no Brasil o regime republicano, nem a centralização do poder no governo federal permite aos Estados os poderes próprios de uma federação. Para os efeitos práticos, Brasília caracterizou-se, primeiro, como contribuição fundamental para a longa permanência da ditadura, ao proporcionar o isolamento que protegeu de reações cívicas diretas, desconcentrando-as por algumas capitais, o poder arbitrário e o Congresso colaboracionista.


Finda essa fase, Brasília foi entregue à desordem política, com a improvisação de um presidente que nem pôde presidir propriamente. E logo enveredou pela devassidão crescente dos poderes públicos, a ponto de se fazer necessário um impeachment presidencial. Brasília foi transformada em fonte nacional, modelo e proteção da indignidade política e administrativa. Onde isso dará não se sabe, nem se vê algum núcleo de inteligência -acadêmica, jornalística, política- interessado na realidade como problema degenerativo e como passagem para o futuro.


"BASE ALIADA"

Utilização fisiológica da política sempre houve, mas os graus e modalidades praticados desde a "redemocratização" não têm precedente. O que também atesta permissividade irrestrita. Nessa progressão, o conceito de "base aliada" e sua aplicação têm muita relevância: integraram as imoralidades fisiológicas, entre governo e correntes parlamentares, nas práticas aceitas como normais, justificadas e legais da política e mesmo das instituições.


Desenvolvido com Fernando Henrique e aprimorado e ampliado com Lula, o mecanismo de "base aliada" não é um nome novo para o anterior situacionismo ou governismo, que aglomerava as correntes comprometidas com o governo. E não excluía certo fisiologismo, mas sem a explicitude da compra-e-venda hoje normalizada e, quase sempre, com um traço bastante pessoal, de identificação ou de retribuição.


O fisiologismo de hoje adota a aquisição direta e explícita. A "base aliada" é um conjunto de congressistas, puxados ou não por seu partido, que se dispõem a apoiar o governo. Mediante condições, no entanto. Nas quais predominam os cargos que o congressista ocupe com asseclas, para intermediar contratações e compras, para receber comissões ou mensalidades, e para distribuir mais nomeações. Em seguida vem a liberação de verbas públicas, das quais o congressista extrai ganhos eleitorais e, com frequência, financeiros, já que as verbas em geral se destinam a obras, compras e serviços contratados.


Com o novo mecanismo consagrado pela "base aliada", não importa se o partido a integra. Desde o seu comando a cada parlamentar, o compromisso de apoio ao governo é apenas nominal. Daí as constantes divisões das bancadas partidárias diante de propostas governamentais ao Congresso. Mais visíveis ainda quando se trata de medida provisória, que aumenta a predisposição do governo a fechar negócio.


É, portanto, o primado da corrupção em lugar da política, da função parlamentar e do compromisso eleitoral. Como efeito mais alto, o Executivo subjuga o Legislativo e o presidente da República adota maneiras imperiosas de poder, na base do é ou será porque eu quero. Sejam dezenas de bilhões para armamentos polêmicos mesmo entre os militares, mudança de leis para possibilitar negócios de telefonia também bilionários, a candidata é essa e ali será aquele -e pronto.


Para relembrar a diferença entre o mínimo desejável e o país das "bases aliadas", é só atentar para o que se passa com o plano de proteção à saúde proposto por Barack Obama. Mais repelido pelo forte conservadorismo norte-americano do que a soma das propostas já feitas por Lula, o projeto de Obama não o levou a mais do que uma dedicação sem trégua à tarefa republicana de explicar e tentar convencer, por meses sucessivos, os resistentes. Já venceu duas etapas importantes, na Câmara e no Senado, e conquistou influentes revisões nos meios de comunicação. Não consta que haja comprado alguém. E é certo que não institucionalizou a corrupção em seu país.

sábado, novembro 28, 2009

CAUSAS DA CORRUPÇÃO

COLUNA DO SPC, NO ITA NEWS

Cutucando


Prefeitura, o caminho da fortuna


Numa noite destas um ex-prefeito mui gabola me recebeu gentilmente em sua mansão financiada por banco privado e a decoração paga com dinheiro emprestado de agiotas, dívidas que ele sabidamente não pagou. Sala grande, tapetes e cortinas combinando com os estofados, o ex-prefeito elegantemente trajando costume de cambraia tipo safári, charutão cubano aceso, cuja fumaça de aroma adocicado competia com a flagrância exótica que ele usava. Sentamos frente a frente, a conversa mal começara e sua esposa surge muito educada, modos acaipirados, carregando uma bandeja de prata com puro uísque escocês, servindo-nos em copos de cristal e pedrinhas de gelo de água mineral (detalhes que ele fez questão de ressaltar). A conversa se iniciou com amenidades, intróito para o assunto que ambos sabíamos seria interessante, absorvente. Outra bandeja com canapés crocantes é deixada sobre a mesinha central pela mulher que se retira de pronto, deixando-nos à vontade. O prefeito, ali, como um paxá, olhos rútilos, pernas cruzadas, imponente, o charutão indo de um canto a outro da boca numa lasciva felação, privilégio de quem podia desfrutar desse luxo importado da famosa ilha de Fidel. Nada de pressa para tratar do assunto, o prazer daquele momento lúdico nos induzia a prolongar a conversa, pois o real objetivo da visita contrastava com a nababesca recepção.


O prefeito não sabia que o objetivo da entrevista era obter detalhes dos esquemas usados por ele e seus assessores a fim de desviar boa parte dos recursos que entravam como pepitas de ouro nos cofres da Prefeitura, graças aos inúmeros repasses estaduais e federais, para depois ser equitativamente repartidos de forma a agradar a todos, cujo montante pouca gente sabia. Entretanto, após as tantas doses de uísque, o charuto do anfitrião se aquietara num canto da boca, sua fala umedecida por jatos de saliva saía meio pastosa com leve descontrole de volume. Por três vezes ele se esquivara de responder as perguntas, a bebida, entretanto, começara a fazer efeito e logo ele desatou o verbo abrindo seu precioso cofre de experiências de gatuno esperto como se estivesse contando um causo. Fiquei perplexo com os cuidados legais dos encarregados pelo “esquema” para roubar a Prefeitura, ludibriando o Tribunal de Contas e, por tabela, o povo. Ninguém se preocupava com os vereadores, sabiam que a maioria deles de uma forma ou de outra era conivente com as maracutaias.


Enquanto ele falava, eu ia anotando (não permitiu gravar). Alguns detalhes ficaram obscuros, mesmo assim, dava pra se ver que ele sentia orgulho de sua esperteza, por isso, arrisquei perguntar sobre os esquemas do segundo escalão. Ele sorveu o que restava do uísque no copo, me olhou complacentemente pra dizer com chasco: isso, meu caro, vai ter que perguntar pro Zé Carlos ou pra Cecília, não sei se vão falar, eles têm um esqueminha batuta que funciona há anos e que os vereadores fazem vista grossa, uns por serem sem-vergonhas, outros porque são burros, então, quem não é bobo aproveita, é uma baba. Olha – diz o prefeito sorrindo - eu não posso me queixar, Deus tem sido muito bom pra mim.


Sai dali cabisbundo, atordoado, e não era pelo uísque, a me indagar: por que a Câmara, o Ministério Público e a mais que tolerante sociedade civil não fazem nada? Por que demônios essa conivência absurda com a corrupção? Será que prefeitos e vereadores se espelham no ditado de que o exemplo vem de cima, vem de Brasília? Os prefeitos e secretários nem sequer tem boa assessoria jurídica, roubam porque é fácil demais, a grana está ali dando sopa (a ocasião faz o ladrão), não precisa nem ser inteligente, precisa só de vocação pra meter a mão. Infelizmente, os que pagam a conta, os contribuintes, só resmungam às escondidas, não reclamam de nada, inclusive os “revoltados”.


Nas eleições o povo podia mandar muitos corruptos de volta pra casa, infelizmente no dia da eleição o povão vota nos mesmos caras-de-pau de sempre. Então, nada de se indignar e espernear, relaxemos e locupletemo-nos todos. Essa é a lei.

sexta-feira, novembro 27, 2009

Valor Econômico
Por dentro do Bolsa Família
Alberto Carlos Almeida

Será que algum leitor deste artigo recebe regularmente o Bolsa Família? Eu diria, com relativa certeza, que dificilmente. Quem lê jornal no Brasil, ao menos jornais com o perfil do Valor, são pessoas de grau superior, os assim chamados formadores de opinião, pessoas de renda elevada que fazem parte, em maior ou menor grau, do debate político e econômico brasileiro. Trata-se de um perfil social distante do perfil médio de quem recebe o benefício social do governo federal.

Proponho que nós, leitores deste jornal, pensemos no Bolsa Família sob a ótica de quem o recebe. A pessoa que recebe esse benefício social reside, na maioria dos casos, em regiões com pouco ou nenhum dinamismo econômico. Esqueçamos por ora a prosperidade da cidade de São Paulo com a sua Mesopotâmia, as residências, os escritórios e os restaurantes que ficam entre os rios Pinheiros e Tietê. O ponto de vista dessa cidade, e dessa região específica de São Paulo, não serve para entender o significado do Bolsa Família para quem o recebe.

Alguns críticos de São Paulo, muitas vezes cariocas, dizem que se trata de uma cidade cheia de restaurantes cercados por escritórios. O interior pobre do Brasil, onde predomina o Bolsa Família, caracteriza-se por um grande aglomerado de casebres cercados de informalidade por todos os lados. É uma grande ilha, ou continente ilhado, de miséria.

Resultado: quem reside em São Paulo, na zona sul do Rio ou na Savassi de Belo Horizonte aprende desde criança que se tiver uma boa educação e trabalhar muito melhora de vida. Isso aconteceu provavelmente com todos os que leram e vão ler este artigo. Isso aconteceu e acontece comigo. Quanto mais trabalho, mais chances tenho de conseguir mais clientes, de vender mais e, consequentemente, de melhorar de vida. O ambiente de São Paulo favorece sobremaneira essa trajetória. Há empresas, negócios, dinamismo. Individualmente, há carreira, há profissão. Muitos dos que se formam nas faculdades cariocas e paulistas saem pensando em como construir uma carreira. Isso é possível no chamado Sul Maravilha.

É possível também no interior do Nordeste? Não, não é. Quem mora no interior de qualquer Estado nordestino e também tem escolaridade baixa, que é pai de família, não tem carreira. Não tem, nunca teve, nem nunca terá. Para esse chefe de família o trabalho não compensa. Trabalhar mais não levará necessariamente a melhorar de vida.

Vamos nos colocar no lugar dessa pessoa. Um homem, de uns 38 anos, que não completou o segundo grau, casado e pai de dois ou três filhos, morador de uma cidade vizinha a Petrolina, no interior de Pernambuco. Esse indivíduo não tem poder de barganha no mercado de trabalho. Naquela região, como ele, existem milhares. Assim, o empregador muito provavelmente não lhe dará um trabalho de carteira assinada. Caso não se torne um migrante, ele vai trabalhar em algum roçado, vai construir ou manter a cerca de alguma propriedade, poderá tornar-se um vendedor de porta em porta de vassouras e rodos e, se tiver muito sucesso na vida, eventualmente, poderá conseguir um emprego urbano como auxiliar administrativo, esta profissão pouco definida e muito mal remunerada pela qual qualquer brasileiro pouco ou nada qualificado poderá almejar.

Essa criatura imaginária é muito real. Ela não concebe a melhoria de vida por meio do trabalho. Isso é fato, não é uma simples percepção. Isso é real. É aqui que entra o Bolsa Família. Esse benefício social, recebido mensal e regularmente por esse chefe de família, se torna a única oportunidade de melhorar de vida no curto prazo.

Quando se diz que alguém realmente precisa do Bolsa Família, está-se dizendo que sem o benefício social essa pessoa jamais melhoraria de vida. É verdade. O recebimento do benefício mudou a vida dela e de seus familiares. Houve um imediato aumento na renda corrente e, como se trata de um contrato de longo prazo, essa família passou a poder comprar coisas no crediário. Praticamente 50% dos que recebem o Bolsa estão atualmente comprando alguma coisa em prestações. O mais interessante é que o programa atinge cerca de 30% das famílias brasileiras e custa para o governo federal a quantia irrisória que corresponde a 0,4%, apenas, de nosso PIB.

O Brasil passou longos anos sem cuidar de sua população, sem educá-la formalmente de maneira apropriada. Apenas durante o governo Fernando Henrique, ou seja, depois de 1994, conseguimos universalizar o acesso das crianças à educação básica. Ainda não conseguimos universalizar o acesso dos adolescentes ao ensino médio. Além disso, a evasão e a repetência são um fenômeno avassalador nos dois níveis de ensino. Não investimos há 30 ou 40 anos em educação, temos que gastar agora um pouquinho (0,4% do PIB, como mencionado anteriormente) com política social para compensar o não investimento.

Há uma crítica de caráter moral ao Bolsa Família: ele cria acomodação. Ledo engano. O beneficiário do programa já era acomodado. A ambição já veio morta, de berço. Em áreas sem dinamismo econômico, como afirmei, o trabalho não compensa, a ambição não existe. O Bolsa não gera nem vai gerar ambição. Os pais nunca terão uma boa oportunidade no mercado de trabalho, é uma geração perdida em termos profissionais. Se alguém tiver oportunidades de empregos melhores, serão os filhos. Daí a necessidade da obrigatoriedade da matrícula escolar. O Bolsa melhorou o bem-estar geral da família e criou um incentivo a mais, para muitas famílias o único incentivo, para manter as crianças na escola. Salva-se a geração dos mais jovens.

A crítica moral a essa política social não encontra apoio na maioria da população brasileira. Nada menos do que 77% da população concorda com a seguinte afirmação: Muita gente que recebe o Bolsa Família continua trabalhando, por isso ele tem que continuar. Essa proporção é menor entre as pessoas que têm o grau superior completo e maior entre as pessoas de escolaridade mais baixa. Quem tem o grau superior completo, ao contrário das pessoas de escolarização baixa, está muito distante da situação financeira e social de quem recebe o Bolsa. Assim, é menos compreensivo em face dos benefícios do programa social. A maioria de nossa população tem a renda e a escolaridade baixas. Sendo assim, o apoio social ao Bolsa Família é muito grande.

Se apenas 30% da população recebe o Bolsa, nada menos do que 60% afirmam ser totalmente a favor do programa. Quando somamos esse número aos 23% que dizem ser a favor, obtemos 83% da população adulta brasileira apoiando o programa social criado no governo Fernando Henrique Cardoso. Só 16% se dizem contrários ao programa. Destes 5% são totalmente contra e 11%, um pouco contra. Quem é mais contra? Quem tem diploma de grau superior. Praticamente um quarto de quem se formou em uma faculdade é contra o bolsa. Essa proporção é de somente 12% para as pessoas do mais baixo nível de escolaridade formal, o primário completo.

Qual é a consequência política dessa informação? Que o Bolsa Família está para a área social assim como a inflação está para a área econômica. A maioria os quer, aceita, valoriza e considera ambos um ganho já estabelecido e com poucas chances de haver retrocesso.

O presidente Lula escreveu e divulgou em 2002 a famosa Carta aos Brasileiros, eufemismo para uma carta aos banqueiros e investidores internacionais. Nela, Lula prometeu e cumpriu manter os quatro elementos-chave da política econômica de FHC: câmbio flutuante, superávit primário, metas de inflação e responsabilidade fiscal. Em 13 de agosto de 2002, Lula declarou na Folha de S.Paulo: Eu me dei conta de que o PT que precisava construir era maior do que o PT de macacão que eu sonhava em construir. Tão grande que trouxe recentemente Fernando Collor como um de seus importantes aliados. Lula foi e é extremamente pragmático.

A oposição, PSDB, DEM e PPS, precisa cometer o pecado do pragmatismo para enfrentar Lula. Nesse caso, o pecado é quebrar o omelete de apoiar sem tergiversação o Bolsa Família.

Há várias maneiras de demonstrar que se é a favor de alguma coisa. Uma delas é simplesmente afirmar: sou a favor do Bolsa Família, aliás, ele foi criado durante um governo do PSDB. Outra maneira é afirmar: vamos duplicar o valor do Bolsa Família. Esse é um apoio contundente, um apoio que não dá espaço para desculpas evasivas de quem apoia ou para ataques infames do adversário.

A propósito, dobrar o Bolsa significa sair de 4,0 para 0,8% do PIB nesse gasto. Apenas um pouco a mais do que os 0,6% colocados no benefício da Lei Orgânica da Assistência social (Loas), mais um programa de proteção social criado no período tucano. Se o programa é bom para quem o recebe, se foi criado (com inspiração de Milton Friedman) por um governo do PSDB e se trará dividendos eleitorais importantes, em particular para quem se caracteriza por gestões eficientes, por que não assumir o compromisso de duplicá-lo? Há uma única razão para não fazê-lo: uma visão de mundo, uma ideologia que rechace o bolsa. Uma ideologia que, nesse caso, é oposta à ideologia do pragmatismo.

Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de A Cabeça do Brasileiro (Record)

quinta-feira, novembro 26, 2009

Seminário s/ luta contra corrupção (valeu, SPC)

Participe do Seminário Nacional sobre a Luta
contra a Corrupção e a Impundade

"Superando a cultura da corrupção"

Dias 9 e 10 de dezembro
Brasília - DF

O seminário marcará as mobilizações em torno do
Dia Mundial de Combate à Corrupção. Confira a programação:

Local: Auditório Ministro Pereira Lira - Tribunal de Contas da União (TCU) Setor de Administração Federal Sul - SAFS, Quadra 4 Lote 1

Quarta-feira,
09/12:


14h às 14h30
Cerimônia de abertura

14h às 17h

Plenária 1
Tema: Superando a Cultura da Corrupção: produção de conhecimento e informação

17h às 17h30
Intervalo com café

17h30 às 19h
Lançamento Global
Corruption Report

(Transparência Internacional)
Tema:
Cenário mundial

Quinta-feira,
10/12


9h às 12h
Plenária 2
Tema:
Superando a Cultura da Corrupção: Desafios para a mídia independente.

12h20 às 13h30
Almoço e manifestação no Congresso Nacional
Apoio ao PL 518/2009 – Campanha Ficha Limpa – MCCE

14h às 17h30h
Plenária 3
Tema: Superando a Cultura da Corrupção: O que estamos fazendo?

17h30 às 18h
Encerramento

POR QUE POLÍTICOS NÃO GOSTAM DE TRANSPARÊNCIA

Deputados usam verba pública para custear suas empresas

Deputados usam verba da Câmara em suas empresas
Autor(es): ALAN GRIPP
Folha de S. Paulo - 26/11/2009

Envio de dinheiro público a empreendimentos deles ou de familiares era prática comum

Notas fiscais que detalham o uso da verba indenizatória foram obtidas e analisadas pela Folha; congressistas negam haver ilegalidade

Deputados federais direcionaram sistematicamente verba pública da Câmara para as suas próprias empresas ou para as de familiares, revela a documentação secreta obtida pela Folha no STF (Supremo Tribunal Federal).

Um dos exemplos se refere à Rádio e TV Difusora do Maranhão, pertencente à família de Edison Lobão (Minas e Energia). No ano passado, a emissora recebeu recursos da mulher do ministro, a deputada Nice Lobão (DEM-MA).

De acordo com os documentos, os repasses mensais, de R$ 5.727, foram feitos dentro da rubrica "manutenção de escritório", uma subdivisão da chamada verba indenizatória de R$ 15 mil mensais usada pelos deputados.

Sócio da empresa, o senador Edison Lobão Filho (PMDB-MA), filho do ministro, afirma que o repasse se refere ao aluguel, pela Difusora, de um escritório à deputada.

"O escritório existe, é conhecido por todos e funciona cinco dias da semana. Estava locado até quando era permitido pelas regras [internas da Câmara]", disse o senador. O ministro Edison Lobão estava ontem em viagem ao exterior. De licença médica, Nice também não comentou os gastos.

Na análise dos dados das cerca de 70 mil notas fiscais, a Folha encontrou outros casos semelhantes, sendo que nenhum deles se repetiu após abril, quando os gastos passaram a ser divulgadas na internet.

Na ocasião, após a revelação de que o deputado Edmar Moreira (PR-MG) apresentou notas de sua empresa de segurança para obter reembolsos, a Câmara baixou norma vedando explicitamente o direcionamento da verba para si próprio.

O argumento de que não havia regulamentação prévia serviu para inocentar Moreira no Conselho de Ética, mas contraria o artigo 37 da Constituição: o uso do dinheiro público deve seguir os princípios da moralidade e da impessoalidade.

Carro

Assim como Nice Lobão, Marcelo Teixeira (PR-CE) apresentou notas mensais de R$ 5.550 do Plaza Praia Suítes, em Fortaleza, hotel do qual é proprietário. O empreendimento figura entre os doadores de sua campanha a deputado em 2006, com R$ 25 mil.

O congressista disse que os recursos custearam a locação de carros para sua atuação no Estado -serviço que, segundo ele, é oferecido pelo hotel: "Não vejo nenhum problema. Procura ver na forma da lei se a empresa recebeu de fato os recursos e se recolheu os impostos. Isso é que importa".

Teixeira e os demais deputados ouvidos também não consideram antiético usar recursos públicos em benefício próprio.

Osório Adriano (DEM-DF) classifica como absurda a proibição. No fim de 2008, ele foi reembolsado em R$ 4.751,13 por gastos de gasolina no Posto Brasal, de sua propriedade.

O mesmo ocorreu com Antônio Andrade (PMDB-MG), que gastou R$ 6.000 no Posto Mangueirão, em Vazante (MG). Ele não respondeu aos recados deixados pela Folha.

Já Dilceu Sperafico (PP-PR) foi reembolsado por gastos de R$ 5.150 no hotel e na rádio pertencentes à sua família. Sobre as diárias de R$ 1.600 no Olinda Park Hotel, em Toledo, ele diz disse que se referem a hospedagem de dois assessores de fora da cidade. Em relação aos R$ 3.550 direcionados à Rádio Cultura Palotinense (Nova Rádio Cultura), ele diz que a rádio noticiava material de divulgação preparado por seu gabinete, além de entrevistá-lo esporadicamente."Na época não tinha norma específica que proibia. Durante 14 anos, acho que foram duas vezes que foi usado isso aí. Não é coisa corriqueira."

O Estado de S. Paulo
Déficit da Previdência cresce 39% em outubro
Edna Simão

Arrecadação recorde de R$ 14,8 bilhões, resultado de contratações bre de depósitos judiciais, não impediu aumento no rombo das contas

A arrecadação de contribuições pela Previdência Social bateu recorde de R$ 14,864 bilhões em outubro - quando desconsiderados os meses de dezembro, em que geralmente a receita é bem maior. A melhora da arrecadação foi influenciada pelo aumento das contratações no mercado de trabalho e o recebimento de algo em torno de R$ 300 milhões em depósitos judiciais. Mas, mesmo assim, o déficit previdenciário cresceu 39,1% em outubro em relação ao mesmo período do ano passado, atingindo R$ 2,274 bilhões.

Uma das justificativas para essa elevação, segundo o secretário de Previdência Social, Helmut Schwarzer, foi o reajuste real do salário mínimo neste ano. Também influenciou nesse valor a ampliação da quantidade de benefícios pagos.MAIS

O Estado de S. Paulo
Presentão para as montadoras
Celso Ming

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, às vezes se notabiliza pela produção de justificativas esfarrapadas para algumas decisões que toma. Terça-feira, ele se superou ao defender o presentão de R$ 1,3 bilhão em renúncias tributárias para a indústria automobilística.

Não pode mais explicar a redução de IPI na venda de veículos flex (os que operam com qualquer mistura de combustível, seja álcool ou gasolina) como necessidade de tomar medidas anticíclicas porque reconhecidamente a crise acabou, como vêm afirmando o presidente Lula, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, e o próprio ministro Mantega. Também não pode justificá-la como defesa do emprego, como fizera em dezembro do ano passado, quando o benefício foi instituído pela primeira vez, porque a indústria automobilística está batendo recordes de vendas (num ano de crise) e já anunciou mais contratações de pessoal para garantir a produção destinada a dar conta da demanda. MAIS
GOVERNO APROVEITA A CRISE PARA DAR UMA MÃOZINHA AOS EMPRESÁRIOS

"As isenções de impostos e outros auxílios recentes parecem cada vez mais arbitrários. Incentivos oficiais sempre o são.

Nas emergências das crises, tais arbítrios podem ser mais aceitáveis. Agora, quando a economia já voltou a crescer e as presentes isenções têm efeitos marginais no consumo global, as medidas começam a parecer mais arbitragem de favores. Ou de nós em pontos políticos ainda desatados na comunidade empresarial.

O sentido menos imediato dessas medidas todas é político. Dizer que são eleitoreiras já é um tanto exagerado. O eleitor não vai reparar em tais detalhes; de resto, há eleições no Brasil a cada dois anos. Metade dos anos, são, pois, eleitorais.

Porém, o governo torra mais um pouco do dinheiro - que já não tem- a fim de reforçar a grande coalizão luliana." VINICIUS TORRES FREIRE, NA FOLHA

quarta-feira, novembro 25, 2009

Postura diplomática duvidosa e arriscada

Jornal do Brasil - 25/11/2009

E, finalmente, para o desagrado da comunidade internacional e o protesto de entidades de defesa dos direitos humanos, o presidente Lula recebeu em Brasília o polêmico presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. O encontro poderia ter ficado restrito à recepção protocolar de um chefe de Estado – afinal, representante do povo iraniano – ou a tratativas do comércio bilateral entre os países. Mas foi além.

O clima foi de camaradagem, no qual ambos os presidentes trataram-se como “bons amigos”. A pergunta que fica é a quem a visita, com demonstrações tão amistosas, mais interessou.

Para Ahmadinejad, considerado persona non grata em quase todo mundo, capaz de esvaziar o plenário da Assembleia da ONU por seus discursos radicais e beligerantes, com certeza o encontro representou uma conquista. Demonstra que não está isolado internacionalmente e pode se articular e receber o respaldo de líderes populares e de países inegavelmente comprometidos com a democracia. MAIS

Valor Econômico
Queda do dólar traz de volta o espectro da desindustrialização
João Carlos de Oliveira

Não é o dólar do exportador que está pressionando o câmbio - é o mercado financeiro. A afirmação é de Roberto Giannetti da Fonseca, diretor do departamento de relações internacionais e comércio exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Ele lembra que as necessidades de financiamento das empresas exportadoras são menores hoje porque, de janeiro a setembro, as vendas externas de produtos manufaturados brasileiros recuaram 24,1%, algo que não era visto desde os anos 1980.

Segundo dados do Banco Central, neste ano US$ 11,6 bilhões deixaram de entrar no país, já que acabou a obrigatoriedade de trazer para o Brasil os dólares das vendas para o exterior. Em abril de 2008, antes de a crise global eclodir, US$ 21,1 bilhões haviam ingressado no mercado por conta de adiantamentos de contratos de exportação. Essa virada representa um ajuste equivalente a cerca de 15% do total exportado pelo país no ano passado.

Uma parte desses recursos que permanecem lá fora é utilizada para quitar contratos longos de importação. Mas as empresas aproveitam para otimizar a gestão financeira. No passado, as exportadoras vendiam antecipadamente dólares e, com os reais obtidos, financiavam sua produção. Agora, ao manter os dólares no exterior, buscam financiamento em reais e, segundo Nathan Blanche, sócio da Tendências Consultoria, vendem seus dólares no mercado futuro. Em uma conta aproximada, o exportador consegue, vendendo seus dólares no mercado futuro (derivativos), obter recursos que custam a variação cambial (dólar) mais 6% de juros ao ano, enquanto um ACC (adiantamento de contrato de câmbio) custa, em média, de 8% a 8,5%.

Para Giannetti, a única maneira de compatibilizar o regime de câmbio e a necessidade do país de manter uma estrutura produtiva competitiva é criar demanda por dólar. A Fiesp defende a possibilidade de abrir contas em moeda estrangeira nos bancos brasileiros, a adoção de um programa de incentivo ao pré-pagamento de dívidas externas e que o Banco Central compre dólares e mantenha o equivalente a 20% ou 25% do PIB em reservas internacionais - hoje, elas estão na casa dos 13% do PIB.

Além disso, Giannetti defende a elevação da alíquota de IOF cobrada no ingresso de recursos no país dos atuais 2% para algo entre 7% e 10%. Tive que justificar meu apoio à essa medida ao pessoal da BM&FBovespa, mostrando a eles que , acima de tudo, o governo está impedindo a formação de uma bolha especulativa, conta.

O economista-chefe do banco Fator, José Francisco Lima Gonçalves, concorda com a proposta de elevar a alíquota de IOF. Ele observa que os resultados obtidos pela medida no primeiro mês de vida são a prova dos noves de que é possível, sim, impedir a trajetória de queda continuada do dólar. O economista é contrário, porém, à proposta de o Banco Central comprar reservas a pretexto de impedir a continuidade da queda do dólar. A questão é punir o ingresso, e não propriamente manter um determinado preço, afirma.

Para Gonçalves, o fluxo de recursos direcionados ao Brasil será crescente e incentivado pela expectativa de que o país vive e viverá um momento extremamente positivo. O Brasil, em sua opinião, será um dos poucos países a exibir uma taxa de juros ainda atraente e uma taxa de crescimento de 5% do PIB nos próximos dois anos. Estamos lindos aos olhos dos estrangeiros. Talvez a questão seja mesmo ficarmos um pouco mais feios. No caso, a feiura significa mesmo punir o ingresso, colocar barreiras. Afinal, para Gonçalves, não há dúvida que a valorização do real coloca em xeque a sobrevivência da estrutura produtiva criada no país.

O vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso, também está convencido de que o maior risco que a queda do dólar traz é esgarçar o tecido industrial. Simpático ao modelo chileno de barreiras à entrada de investimentos, Velloso vai mais longe do que Gonçalves e diz que a desindustrialização já está em curso.

Ele argumenta que o Brasil, como os demais emergentes, mas ao contrário do que ocorre nas economias mais maduras, deveria responder ao aumento da renda da população com o aumento do peso da indústria no PIB. Foi o que aconteceu, segundo ele, na Coreia e na China, por exemplo. Só que, aqui, a seu ver a indústria emagreceu. Na década de 90, o setor industrial representava 45% do PIB; hoje equivale a 22% e a tendência é de queda, afirma.

O debate sobre a desindustrialização não é novo. Foi mais intenso em 2006 e 2007, quando alguns economistas argumentavam que a expansão das exportações brasileiras de commodities, especialmente pelo agronegócio, provocaria apreciação da taxa de câmbio e, em consequência, a desindustrialização. É o que se chama de doença holandesa. Depois, com a crise, a doença holandesa desapareceu do debate para, agora, ser retomada - ainda mais depois do pré-sal (na Holanda, o fenômeno aconteceu depois da descoberta de reservas de gás).

No setor de bens de capital, as exportações encolheram 40% na comparação entre 2009 e 2008. A queda é explicada pela crise, já que os mercados americano e europeu são, além da Argentina, os principais alvos das exportações brasileiras - mas também pelo comportamento do câmbio (leia-se perda de competitividade) e pelo aumento da concorrência chinesa.

Em 2006, segundo Velloso, a China era a 16ª colocada entre os maiores fornecedores de máquinas e equipamentos para o Brasil. Atualmente é o terceiro maior, perdendo apenas para os Estados Unidos e a Alemanha. As máquinas brasileiras são de muito melhor qualidade que as chinesas, mas, por causa do câmbio, estamos perdendo em preço, assegura.

O derretimento do dólar beneficia apenas os Estados Unidos, por serem o emissor da moeda, e a China, que adota uma política de câmbio fixo. A desvalorização da moeda americana é um problema de alcance global. O mundo está vendendo dólar e comprando outras moedas, diz Tereza Fernandez, consultora da MB Associados. Uma dessas moedas é o real. A esse movimento dá-se o nome em inglês de carry trade.

Segundo estudo feito por Nathan Blanche, da Tendências, o processo de queda do dólar foi mais acentuado no caso dos países exportadores de commodities, como é o Brasil. O estudo leva em conta uma cesta de moedas com países exportadores de commodities que adotam o regime de câmbio flutuante. A ideia foi comparar o comportamento dessa cesta ao do real, para avaliar quais fatores de variação da moeda brasileira são específicos. Da cesta participaram Chile, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul e Noruega. O peso de cada país foi determinado pela corrente de comércio de cada um relativamente à soma do movimento comercial do grupo. Assim, Canadá e Austrália ficaram com as maiores participações. Para facilitar a comparação, o câmbio do real e da cesta valiam cem em janeiro de 2000. De lá para cá, o real mostra valorização frente ao dólar, em termos reais, de aproximadamente 24%. A cesta, por sua vez, tem valorização de 27% no mesmo período. Contudo, se for levado em conta apenas o ano de 2009, o real mostra uma apreciação maior do que a da cesta - pouco mais de 24% contra 18%.

Uma das razões para essa diferença é, certamente, o fato de o Brasil estar sendo visto pelos estrangeiros como um caso de sucesso, que combina juros positivos e perspectiva de crescimento, como avalia Gonçalves, do banco Fator. Para Tereza, contudo, o processo de carry trade global tende a se reduzir, pois, em algum momento no futuro, a atividade econômica global vai reagir, as taxas de juros norte-americanas voltarão a subir e o deficit comercial externo norte-americano deve se estreitar.

Ela lembra que esse é um lado do problema. O outro é que o regime de câmbio flutuante no Brasil deixa de funcionar quando o dólar cai, expondo a falta das reformas estruturais que seriam capazes de tornar nossa economia mais competitiva. A consultora acredita que estamos longe de poder falar em desindustrialização no país, mas o problema do câmbio faz emergir outras questões estruturais que estão ligadas às reformas que precisam ser feitas e à necessidade de agilizar os investimentos em infraestrutura que ainda patinam, por exemplo.

Enquanto o yuan não se mexer, os produtos chineses vão continuar a ganhar competitividade em relação aos de países cujas moedas estão se valorizando frente ao dólar. Esse é o caso de Brasil. A política cambial chinesa faz com que o país consiga manter um colossal superavit comercial com os Estados Unidos. Entre janeiro e setembro deste ano, ele somou US$ 165,8 bilhões, ficando apenas ligeiramente inferior aos US$ 169,4 bilhões do mesmo período de 2008. Esse foi um dos principais temas tratados pelo presidente Barack Obama em sua recente visita à China. Obama reivindicou que yuan flutue, mas não obteve qualquer garantia de que isso irá ocorrer. No caso de máquinas e equipamentos, a concorrência da China afeta tanto o mercado interno quanto o externo. No Brasil, ela é ainda mais relevante no segmento de máquinas injetoras de plástico e nas usadas para fabricação de móveis de madeira.

Giannetti qualifica a ação chinesa de dumping cambial. O país já é o maior player mundial, ultrapassando a Alemanha. A apreciação do real frente ao yuan já é de mais de 30% neste ano. O empresário cobra de Pascal Lamy, diretor-geral da Organização Mundial de Comércio (OMC), uma ação enérgica. Para ele, faz parte da missão da OMC agir contra o que qualifica como uma prática desleal de comércio. Giannetti defende a criação de uma sobretaxa linear de 30% sobre todas as exportações chinesas. O diretor da Fiesp acredita que essa medida deve ser adotada diretamente pelo órgão, para evitar que algum país passe a ter uma relação com a China de animosidade. Na prática, a proposta de Giannetti é a de que a OMC imponha ao yuan o que a China se recusa, pelo menos por enquanto, a fazer - uma maxivalorização.

segunda-feira, novembro 23, 2009

Cidade "rica" é outra história: falta posto de saúde, mas não falta intenção de construir um teatro de 5 milhões de reais (clique na foto para ler rep



Valor Econômico
Brasil: é preciso reformar a política econômica
Luiz Carlos Mendonça de Barros

A próxima década pode trazer um período de ouro para a sociedade brasileira. Não é um sonho ver o PIB crescer em média 6% ao ano. Mas para chegarmos lá será preciso uma revisão da política econômica atual.

O primeiro passo nessa direção será a construção de um diagnóstico correto dos desafios e problemas que precisarão ser enfrentados. A economia brasileira é hoje muito diferente daquela que a maioria dos brasileiros conhece. O mesmo ocorre com o mundo econômico que nos cerca. A combinação de dois sistemas complexos em mutação é sempre um desafio para qualquer analista.

O fato de termos uma eleição presidencial em 2010 pode favorecer esse processo de reflexão. Principalmente porque os lideres políticos que moldaram o Brasil nos últimos 16 anos estarão ausentes do centro do poder. Isso abre uma oportunidade para que as mudanças possam ser realizadas com maior facilidade.

De forma simplificada, é possível considerar que, entre 2005 e 2008, a fonte originária do dinamismo da economia tenha sido o setor externo. O forte aumento dos termos de troca com o exterior, decorrente dos maiores preços de commodities, eliminou o excesso de endividamento externo do setor público e representou um choque positivo de renda para a economia.

Esse efeito se espalhou progressivamente pelo tecido econômico a partir de vários canais e criou condições para que rompessemos com o estigma de um país que não sabe crescer. O mais importante deles foi o fortalecimento do real e a estabilização da inflação. A progressiva redução da taxa real de juros, neste ambiente mais estável e previsível, permitiu que os horizontes de planejamento empresarial fossem ampliados. Com isso a disposição de investir diante de uma demanda que se expandia com vigor foi reforçada.

Outro canal importante foi o verdadeiro choque keynesiano que ocorreu a partir do aumento das transferências sociais, principalmente via salário mínimo. Em outros tempos teríamos esbarrado na restrição cambial, mas não desta vez em função da melhora de nossas contas externas.

A sincronia desses fatores permitiu a gradual aceleração do crescimento em bases equilibradas a partir do aumento da poupança interna, do investimento e do consumo. Com isto, mesmo crescendo, convivemos com uma conta corrente ligeiramente superavitária no período.

É nesse contexto de crescimento em bases equilibradas que a crise financeira internacional atingiu o Brasil. Como uma de suas consequências mais marcantes foi o colapso temporário do comércio global, a baixa exposição brasileira à exportação de manufaturados foi uma vantagem. A elevada dependência de vetores domésticos - leia-se consumo - tem sido saudada como elemento de força da economia brasileira.

Apesar do otimismo que se coloca para 2010 é importante considerar as fragilidades da economia brasileira, ainda existentes, e que podem estar sendo acentuadas pela política econômica de má qualidade perseguida mais recentemente. Em primeiro lugar, a continuidade do forte afrouxamento monetário, fiscal e creditício dos últimos meses traz riscos reais. Se não ocorrer uma inflexão nas ações do governo aumentará o risco de que o crescimento, daqui para frente, se dê em bases menos equilibradas e pouco sustentáveis no médio prazo.

O insaciável expansionismo fiscal, sem critérios de eficiência e alocação estratégica para investimentos, aliado ao crescimento do crédito impulsionaram a participação do consumo total no PIB para 84% no 2º trimestre desde ano. Esse nível representa um aumento equivalente a quase 3 pontos percentuais do PIB em relação à média do período 2005/2008. Por outro lado, o investimento reduziu sua participação no PIB para 15%, quase 4 pontos percentuais abaixo do pico atingido no 3º trimestre de 2008.

Essa combinação de maior consumo e menor investimento permitiu que as exportações líquidas e o déficit em conta corrente permanecessem praticamente estáveis nos trimestres recentes. Mas agora a situação começa a mudar. Não há nenhuma indicação de perda de vigor do consumo privado. Pelo contrário, a julgar pelo aumento do emprego e da renda, é plausível que haja forte aceleração nos próximos trimestres. Também não se antecipa redução importante dos gastos correntes e investimentos sociais do governo. Com o investimento privado também crescendo, muito provavelmente liderado por setores domésticos como a construção civil, as pressões sobre as contas externas vão aumentar. Não me surpreenderia com déficits em conta corrente da ordem de 4% a 5% do PIB nos próximos 12 a 24 meses.

Tenho sérias dúvidas a respeito da sustentabilidade de um crescimento com esse perfil. É evidente que nossa situação atual é diferente e que o setor privado assumiu uma liderança importante, mas as lições do passado permanecem válidas. Além disso, se há algo que foi demonstrado cabalmente na última década é que a única base sólida de crescimento sustentável é a geração de poupança doméstica. O uso da poupança externa, mesmo para o investimento, deve ser coadjuvante e não o ator principal.

A incapacidade do governo de formular uma agenda estratégica e encarar nossas restrições - fraca geração de poupança, insuficiente investimento em infraestrutura e capital humano etc. - traz riscos de que estejamos rompendo os limites do crescimento equilibrado e embarcando em um caminho perigoso. Por fim, é preciso considerar ainda que o ambiente externo trás hoje outras restrições importantes. A questão cambial é uma delas. A desvalorização estrutural do dólar, exacerbada pela política de juros zero praticada pelo Federal Reserve, implica que os países em desenvolvimento continuarão enfrentando forte pressão de valorização de suas moedas. Na medida em que a China e os asiáticos em geral estão aparelhados para melhor resistir a essa tendência, os outros países são ainda mais impactados.

É preciso seriamente considerar os desafios que se colocam para frente e perceber que nosso software econômico atual, desenvolvido no governo FHC e continuado por Lula, está ultrapassado.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.

O Estado de S. Paulo
Crescendo e comendo
Carlos Alberto Sardenberg

Nove milhões de pessoas voltarão à condição de pobreza em 2009, na América Latina, em consequência da crise financeira - tal é a conclusão de um relatório da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal) divulgado na semana passada. É um desastre, sobretudo porque a pobreza atinge mais as crianças e as mulheres.

Mas a mesma Cepal se apressa a dizer que este início de século não é uma década perdida. Ocorre que a América Latina também surfou na onda de crescimento global e obteve um resultado extraordinário: entre 2002 e 2008, nada menos que 41 milhões de pessoas deixaram a pobreza. Para a Cepal, isso foi consequência de quatro fatores: o crescimento econômico mais acelerado; o bônus demográfico (redução da natalidade); mais gasto social; e programas de distribuição de renda.

É difícil saber qual o peso de cada fator, mas arrisco dizer que o crescimento é o essencial. Reparem: na crise, todos os outros três fatores permaneceram em cena, em alguns lugares com elevação dos gastos sociais. O que falta é a expansão econômica.

Esse ciclo aconteceu no mundo todo. O PIB per capita cresceu de maneira acelerada, de modo que nada menos que 500 milhões de pessoas deixaram a pobreza nos últimos 20 anos de globalização. A América Latina, portanto, contribuiu com quase 10% desse resultado. A maior contribuição global foi dos asiáticos em geral, da China em especial. De fato, os asiáticos têm conseguido um ritmo de crescimento superior ao dos melhores latino-americanos. Lá, o PIB cresce mais perto dos 10% ao ano. Deste lado, num ano bom, dá 7%. A diferença crucial está no nível de poupança e investimento. Enquanto aqui mal chegamos aos 20% do PIB, nos dois quesitos os asiáticos em geral passam dos 30% e a China, em especial, chega a poupar quase 50% do PIB.

É verdade que todo mundo está dizendo aos chineses que está na hora de eles consumirem mais. Mas seria uma conclusão estúpida dizer que nós, da América Latina, estávamos certos. O problema aqui, especialmente no Brasil, é gastar muito antes de ficar rico.

O milagre do agronegócio - Também deu no noticiário da semana passada: um estudo do Ministério da Saúde mostrou que os brasileiros estão maiores e mais gordos. A subnutrição despencou. Ou seja, não somos famintos, estamos gordos.

Com a notícia, vieram as explicações habituais sobre os maus hábitos alimentares - e que são insuficientes. O fato básico é o seguinte: estamos comendo mais e devemos isso ao agronegócio. A tendência é global. Tem que ver com crescimento econômico e, muito especialmente, com o barateamento dos preços de alimentos.

Em meados da década de 70, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) assustava o mundo com teses segundo as quais o mundo estava entrando numa fase de fome e guerras por comida. Isso porque, dizia-se, a produção de alimentos não dava conta do aumento da população.

Pois aconteceu o contrário: graças à tecnologia (transgenia, biogenética, melhoramento das espécies, fertilizantes, controle da terra, etc.) a produção de alimentos aumentou várias vezes, com ganhos de produtividade. Mas essa potencialidade não teria sido realizada se não houvesse um mercado internacional mais ou menos livre e com tarifas menores para garantir a distribuição e o consumo.

O Brasil esteve na ponta desse processo. Nos anos 70, por exemplo, não tinha soja no Centro-Oeste. Alguns diziam que era impossível plantar ali. Mas novas variedades de plantas e novas técnicas ampliaram a fronteira agrícola. Idem para o boi. Antes, levava-se mais de ano para engordar o boi. Hoje, com poucos meses já está no abatedouro.

Há 40 anos, o Barão de Itararé saiu com esta: quando pobre come frango, um dos dois está doente. O frango era o prato especial do almoço de domingo. Hoje é uma espécie de commodity da alimentação popular.

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) teve papel crucial nessa história brasileira, apoiada por investimentos e pesquisas de companhias agrícolas e dos produtores brasileiros que se espalharam pelo País. Houve, assim, a combinação correta: mercado, investimentos, tecnologia, ganhos de produtividade, mais alimentos e preços menores. E ocorreu que esses alimentos industrializados que ficaram mais baratos são mais gostosos e mais calóricos. Um trabalhador come uma salada e é como se tivesse tomado um copo de água. Um baita hambúrguer sai mais barato e alimenta mais.

Sim, o pessoal engordou, mas não se deve tirar daí a conclusão estúpida de que se deve dificultar a vida dos produtores desses alimentos. E muita gente, inclusive no atual governo, se dedica a isso: atrapalhar o agronegócio.

Sim, devemos comer mais saladas e mais peixe, mas para isso é preciso aumentar a produção e baratear o preço. Quem sabe estimular a invenção de tomates e alfaces transgênicos e a instalação de fazendas de peixe. AQUI

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