segunda-feira, novembro 23, 2009

Valor Econômico
Brasil: é preciso reformar a política econômica
Luiz Carlos Mendonça de Barros

A próxima década pode trazer um período de ouro para a sociedade brasileira. Não é um sonho ver o PIB crescer em média 6% ao ano. Mas para chegarmos lá será preciso uma revisão da política econômica atual.

O primeiro passo nessa direção será a construção de um diagnóstico correto dos desafios e problemas que precisarão ser enfrentados. A economia brasileira é hoje muito diferente daquela que a maioria dos brasileiros conhece. O mesmo ocorre com o mundo econômico que nos cerca. A combinação de dois sistemas complexos em mutação é sempre um desafio para qualquer analista.

O fato de termos uma eleição presidencial em 2010 pode favorecer esse processo de reflexão. Principalmente porque os lideres políticos que moldaram o Brasil nos últimos 16 anos estarão ausentes do centro do poder. Isso abre uma oportunidade para que as mudanças possam ser realizadas com maior facilidade.

De forma simplificada, é possível considerar que, entre 2005 e 2008, a fonte originária do dinamismo da economia tenha sido o setor externo. O forte aumento dos termos de troca com o exterior, decorrente dos maiores preços de commodities, eliminou o excesso de endividamento externo do setor público e representou um choque positivo de renda para a economia.

Esse efeito se espalhou progressivamente pelo tecido econômico a partir de vários canais e criou condições para que rompessemos com o estigma de um país que não sabe crescer. O mais importante deles foi o fortalecimento do real e a estabilização da inflação. A progressiva redução da taxa real de juros, neste ambiente mais estável e previsível, permitiu que os horizontes de planejamento empresarial fossem ampliados. Com isso a disposição de investir diante de uma demanda que se expandia com vigor foi reforçada.

Outro canal importante foi o verdadeiro choque keynesiano que ocorreu a partir do aumento das transferências sociais, principalmente via salário mínimo. Em outros tempos teríamos esbarrado na restrição cambial, mas não desta vez em função da melhora de nossas contas externas.

A sincronia desses fatores permitiu a gradual aceleração do crescimento em bases equilibradas a partir do aumento da poupança interna, do investimento e do consumo. Com isto, mesmo crescendo, convivemos com uma conta corrente ligeiramente superavitária no período.

É nesse contexto de crescimento em bases equilibradas que a crise financeira internacional atingiu o Brasil. Como uma de suas consequências mais marcantes foi o colapso temporário do comércio global, a baixa exposição brasileira à exportação de manufaturados foi uma vantagem. A elevada dependência de vetores domésticos - leia-se consumo - tem sido saudada como elemento de força da economia brasileira.

Apesar do otimismo que se coloca para 2010 é importante considerar as fragilidades da economia brasileira, ainda existentes, e que podem estar sendo acentuadas pela política econômica de má qualidade perseguida mais recentemente. Em primeiro lugar, a continuidade do forte afrouxamento monetário, fiscal e creditício dos últimos meses traz riscos reais. Se não ocorrer uma inflexão nas ações do governo aumentará o risco de que o crescimento, daqui para frente, se dê em bases menos equilibradas e pouco sustentáveis no médio prazo.

O insaciável expansionismo fiscal, sem critérios de eficiência e alocação estratégica para investimentos, aliado ao crescimento do crédito impulsionaram a participação do consumo total no PIB para 84% no 2º trimestre desde ano. Esse nível representa um aumento equivalente a quase 3 pontos percentuais do PIB em relação à média do período 2005/2008. Por outro lado, o investimento reduziu sua participação no PIB para 15%, quase 4 pontos percentuais abaixo do pico atingido no 3º trimestre de 2008.

Essa combinação de maior consumo e menor investimento permitiu que as exportações líquidas e o déficit em conta corrente permanecessem praticamente estáveis nos trimestres recentes. Mas agora a situação começa a mudar. Não há nenhuma indicação de perda de vigor do consumo privado. Pelo contrário, a julgar pelo aumento do emprego e da renda, é plausível que haja forte aceleração nos próximos trimestres. Também não se antecipa redução importante dos gastos correntes e investimentos sociais do governo. Com o investimento privado também crescendo, muito provavelmente liderado por setores domésticos como a construção civil, as pressões sobre as contas externas vão aumentar. Não me surpreenderia com déficits em conta corrente da ordem de 4% a 5% do PIB nos próximos 12 a 24 meses.

Tenho sérias dúvidas a respeito da sustentabilidade de um crescimento com esse perfil. É evidente que nossa situação atual é diferente e que o setor privado assumiu uma liderança importante, mas as lições do passado permanecem válidas. Além disso, se há algo que foi demonstrado cabalmente na última década é que a única base sólida de crescimento sustentável é a geração de poupança doméstica. O uso da poupança externa, mesmo para o investimento, deve ser coadjuvante e não o ator principal.

A incapacidade do governo de formular uma agenda estratégica e encarar nossas restrições - fraca geração de poupança, insuficiente investimento em infraestrutura e capital humano etc. - traz riscos de que estejamos rompendo os limites do crescimento equilibrado e embarcando em um caminho perigoso. Por fim, é preciso considerar ainda que o ambiente externo trás hoje outras restrições importantes. A questão cambial é uma delas. A desvalorização estrutural do dólar, exacerbada pela política de juros zero praticada pelo Federal Reserve, implica que os países em desenvolvimento continuarão enfrentando forte pressão de valorização de suas moedas. Na medida em que a China e os asiáticos em geral estão aparelhados para melhor resistir a essa tendência, os outros países são ainda mais impactados.

É preciso seriamente considerar os desafios que se colocam para frente e perceber que nosso software econômico atual, desenvolvido no governo FHC e continuado por Lula, está ultrapassado.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.

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