quarta-feira, novembro 25, 2009

Valor Econômico
Queda do dólar traz de volta o espectro da desindustrialização
João Carlos de Oliveira

Não é o dólar do exportador que está pressionando o câmbio - é o mercado financeiro. A afirmação é de Roberto Giannetti da Fonseca, diretor do departamento de relações internacionais e comércio exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Ele lembra que as necessidades de financiamento das empresas exportadoras são menores hoje porque, de janeiro a setembro, as vendas externas de produtos manufaturados brasileiros recuaram 24,1%, algo que não era visto desde os anos 1980.

Segundo dados do Banco Central, neste ano US$ 11,6 bilhões deixaram de entrar no país, já que acabou a obrigatoriedade de trazer para o Brasil os dólares das vendas para o exterior. Em abril de 2008, antes de a crise global eclodir, US$ 21,1 bilhões haviam ingressado no mercado por conta de adiantamentos de contratos de exportação. Essa virada representa um ajuste equivalente a cerca de 15% do total exportado pelo país no ano passado.

Uma parte desses recursos que permanecem lá fora é utilizada para quitar contratos longos de importação. Mas as empresas aproveitam para otimizar a gestão financeira. No passado, as exportadoras vendiam antecipadamente dólares e, com os reais obtidos, financiavam sua produção. Agora, ao manter os dólares no exterior, buscam financiamento em reais e, segundo Nathan Blanche, sócio da Tendências Consultoria, vendem seus dólares no mercado futuro. Em uma conta aproximada, o exportador consegue, vendendo seus dólares no mercado futuro (derivativos), obter recursos que custam a variação cambial (dólar) mais 6% de juros ao ano, enquanto um ACC (adiantamento de contrato de câmbio) custa, em média, de 8% a 8,5%.

Para Giannetti, a única maneira de compatibilizar o regime de câmbio e a necessidade do país de manter uma estrutura produtiva competitiva é criar demanda por dólar. A Fiesp defende a possibilidade de abrir contas em moeda estrangeira nos bancos brasileiros, a adoção de um programa de incentivo ao pré-pagamento de dívidas externas e que o Banco Central compre dólares e mantenha o equivalente a 20% ou 25% do PIB em reservas internacionais - hoje, elas estão na casa dos 13% do PIB.

Além disso, Giannetti defende a elevação da alíquota de IOF cobrada no ingresso de recursos no país dos atuais 2% para algo entre 7% e 10%. Tive que justificar meu apoio à essa medida ao pessoal da BM&FBovespa, mostrando a eles que , acima de tudo, o governo está impedindo a formação de uma bolha especulativa, conta.

O economista-chefe do banco Fator, José Francisco Lima Gonçalves, concorda com a proposta de elevar a alíquota de IOF. Ele observa que os resultados obtidos pela medida no primeiro mês de vida são a prova dos noves de que é possível, sim, impedir a trajetória de queda continuada do dólar. O economista é contrário, porém, à proposta de o Banco Central comprar reservas a pretexto de impedir a continuidade da queda do dólar. A questão é punir o ingresso, e não propriamente manter um determinado preço, afirma.

Para Gonçalves, o fluxo de recursos direcionados ao Brasil será crescente e incentivado pela expectativa de que o país vive e viverá um momento extremamente positivo. O Brasil, em sua opinião, será um dos poucos países a exibir uma taxa de juros ainda atraente e uma taxa de crescimento de 5% do PIB nos próximos dois anos. Estamos lindos aos olhos dos estrangeiros. Talvez a questão seja mesmo ficarmos um pouco mais feios. No caso, a feiura significa mesmo punir o ingresso, colocar barreiras. Afinal, para Gonçalves, não há dúvida que a valorização do real coloca em xeque a sobrevivência da estrutura produtiva criada no país.

O vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso, também está convencido de que o maior risco que a queda do dólar traz é esgarçar o tecido industrial. Simpático ao modelo chileno de barreiras à entrada de investimentos, Velloso vai mais longe do que Gonçalves e diz que a desindustrialização já está em curso.

Ele argumenta que o Brasil, como os demais emergentes, mas ao contrário do que ocorre nas economias mais maduras, deveria responder ao aumento da renda da população com o aumento do peso da indústria no PIB. Foi o que aconteceu, segundo ele, na Coreia e na China, por exemplo. Só que, aqui, a seu ver a indústria emagreceu. Na década de 90, o setor industrial representava 45% do PIB; hoje equivale a 22% e a tendência é de queda, afirma.

O debate sobre a desindustrialização não é novo. Foi mais intenso em 2006 e 2007, quando alguns economistas argumentavam que a expansão das exportações brasileiras de commodities, especialmente pelo agronegócio, provocaria apreciação da taxa de câmbio e, em consequência, a desindustrialização. É o que se chama de doença holandesa. Depois, com a crise, a doença holandesa desapareceu do debate para, agora, ser retomada - ainda mais depois do pré-sal (na Holanda, o fenômeno aconteceu depois da descoberta de reservas de gás).

No setor de bens de capital, as exportações encolheram 40% na comparação entre 2009 e 2008. A queda é explicada pela crise, já que os mercados americano e europeu são, além da Argentina, os principais alvos das exportações brasileiras - mas também pelo comportamento do câmbio (leia-se perda de competitividade) e pelo aumento da concorrência chinesa.

Em 2006, segundo Velloso, a China era a 16ª colocada entre os maiores fornecedores de máquinas e equipamentos para o Brasil. Atualmente é o terceiro maior, perdendo apenas para os Estados Unidos e a Alemanha. As máquinas brasileiras são de muito melhor qualidade que as chinesas, mas, por causa do câmbio, estamos perdendo em preço, assegura.

O derretimento do dólar beneficia apenas os Estados Unidos, por serem o emissor da moeda, e a China, que adota uma política de câmbio fixo. A desvalorização da moeda americana é um problema de alcance global. O mundo está vendendo dólar e comprando outras moedas, diz Tereza Fernandez, consultora da MB Associados. Uma dessas moedas é o real. A esse movimento dá-se o nome em inglês de carry trade.

Segundo estudo feito por Nathan Blanche, da Tendências, o processo de queda do dólar foi mais acentuado no caso dos países exportadores de commodities, como é o Brasil. O estudo leva em conta uma cesta de moedas com países exportadores de commodities que adotam o regime de câmbio flutuante. A ideia foi comparar o comportamento dessa cesta ao do real, para avaliar quais fatores de variação da moeda brasileira são específicos. Da cesta participaram Chile, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul e Noruega. O peso de cada país foi determinado pela corrente de comércio de cada um relativamente à soma do movimento comercial do grupo. Assim, Canadá e Austrália ficaram com as maiores participações. Para facilitar a comparação, o câmbio do real e da cesta valiam cem em janeiro de 2000. De lá para cá, o real mostra valorização frente ao dólar, em termos reais, de aproximadamente 24%. A cesta, por sua vez, tem valorização de 27% no mesmo período. Contudo, se for levado em conta apenas o ano de 2009, o real mostra uma apreciação maior do que a da cesta - pouco mais de 24% contra 18%.

Uma das razões para essa diferença é, certamente, o fato de o Brasil estar sendo visto pelos estrangeiros como um caso de sucesso, que combina juros positivos e perspectiva de crescimento, como avalia Gonçalves, do banco Fator. Para Tereza, contudo, o processo de carry trade global tende a se reduzir, pois, em algum momento no futuro, a atividade econômica global vai reagir, as taxas de juros norte-americanas voltarão a subir e o deficit comercial externo norte-americano deve se estreitar.

Ela lembra que esse é um lado do problema. O outro é que o regime de câmbio flutuante no Brasil deixa de funcionar quando o dólar cai, expondo a falta das reformas estruturais que seriam capazes de tornar nossa economia mais competitiva. A consultora acredita que estamos longe de poder falar em desindustrialização no país, mas o problema do câmbio faz emergir outras questões estruturais que estão ligadas às reformas que precisam ser feitas e à necessidade de agilizar os investimentos em infraestrutura que ainda patinam, por exemplo.

Enquanto o yuan não se mexer, os produtos chineses vão continuar a ganhar competitividade em relação aos de países cujas moedas estão se valorizando frente ao dólar. Esse é o caso de Brasil. A política cambial chinesa faz com que o país consiga manter um colossal superavit comercial com os Estados Unidos. Entre janeiro e setembro deste ano, ele somou US$ 165,8 bilhões, ficando apenas ligeiramente inferior aos US$ 169,4 bilhões do mesmo período de 2008. Esse foi um dos principais temas tratados pelo presidente Barack Obama em sua recente visita à China. Obama reivindicou que yuan flutue, mas não obteve qualquer garantia de que isso irá ocorrer. No caso de máquinas e equipamentos, a concorrência da China afeta tanto o mercado interno quanto o externo. No Brasil, ela é ainda mais relevante no segmento de máquinas injetoras de plástico e nas usadas para fabricação de móveis de madeira.

Giannetti qualifica a ação chinesa de dumping cambial. O país já é o maior player mundial, ultrapassando a Alemanha. A apreciação do real frente ao yuan já é de mais de 30% neste ano. O empresário cobra de Pascal Lamy, diretor-geral da Organização Mundial de Comércio (OMC), uma ação enérgica. Para ele, faz parte da missão da OMC agir contra o que qualifica como uma prática desleal de comércio. Giannetti defende a criação de uma sobretaxa linear de 30% sobre todas as exportações chinesas. O diretor da Fiesp acredita que essa medida deve ser adotada diretamente pelo órgão, para evitar que algum país passe a ter uma relação com a China de animosidade. Na prática, a proposta de Giannetti é a de que a OMC imponha ao yuan o que a China se recusa, pelo menos por enquanto, a fazer - uma maxivalorização.

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