quarta-feira, abril 28, 2010

Revolução tardia

Autor(es): # Cecília Sosa Advogada, foi a primeira mulher a presidir uma Suprema Corte na América Latina
Correio Braziliense - 28/04/2010


Alguns anos atrás seria inimaginável: os cidadãos da Venezuela, um país rico em petróleo, enfrentando racionamento de energia elétrica. Infelizmente, essa não é a única realidade que os venezuelanos enfrentam. A inflação em alta, a escassez de água, uma economia em queda livre e mais insegurança são alguns dos problemas que devastam a sociedade e a prosperidade futura. O número cada vez maior de venezuelanos se pergunta: como foi que chegamos até aqui? A resposta: Hugo Chávez e suas políticas equivocadas.


O homem que chegou ao poder protestando contra o governo e erros passados se tornou símbolo dessa mesma ineficácia. Motivado por um desejo cada vez maior de “controlar tudo”, nas palavras do jornal espanhol El País, Chávez se focou totalmente no trabalho de centralizar o poder sobre a sociedade venezuelana. Algumas de suas atitudes parecem engraçadas, como motivar os venezuelanos a tomar banhos de três minutos, mas as consequências são muito mais graves: a erosão da democracia, dos direitos civis mais básicos do país e a deterioração rápida do padrão de vida.


Talvez o melhor exemplo do desejo de Chávez de ganhar poder absoluto na nação sejam os ataques contra os direitos de propriedade privada, reconhecida como direito fundamental pela Declaração Universal de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas. Apesar disso, o nosso país presenciou o rápido crescimento do número de donos de propriedade particular —empresas e pessoas físicas — cuja propriedade foi nacionalizada, confiscada ou expropriada pelo governo. Empresas de açúcar a aço, de café a energia, grandes e pequenos, o governo adquiriu à força mais de 100 empresas privadas.


A lista de empresas inclui nomes reconhecidos como Hilton, Cargill, Lafarge e Technint. Hoje, das 13 maiores empresas venezuelanas, apenas três ainda fazem parte do setor privado. A maioria dos grandes multinacionais que sofreu com o descaso do governo em relação à propriedade privada se calou. É o preço que pagam para ter alguma chance de receber alguma restituição do governo. Mas a maioria das vítimas da expropriação de propriedade são os venezuelanos, que, diferentemente das multinacionais estrangeiras, carecem de proteção jurídica no próprio país para lutar contra o confisco ilegal da sua propriedade pelo governo.


O maior símbolo e a maior preocupação com o que praticamente representa a destruição da propriedade privada no país é a crescente fragilidade das justificativas das expropriações. No início, Chávez atacou os setores que considerou estratégico, uma lista de indústrias que não para de crescer. Depois, expandiu a lista e foi atrás de empresas que supostamente não seguiam os princípios de interesse nacional. Depois de desvalorizar a moeda nacional em 100%, recentemente mudou a justificativa e começou a atacar o que chama de “aproveitadores”. A vítima mais famosa dos últimos tempos foi a empresa francesa Exito, um dos principais varejistas do país.


A Assembleia Nacional, sob o controle absoluto de Chávez, age mais como o carimbo pessoal dele que um órgão legislativo. Hoje procura dar carta branca para expropriação de acordo com as vontades do presidente. Um projeto de “Lei de Propriedade Social” está tramitando na Casa a fim de outorgar poderes limitados ao Executivo para expropriar a propriedade privada quando se determina que não está no “interesse nacional”. Além disso, o projeto de lei iria praticamente abolir o processo jurídico na tomada de propriedades, em que o Executivo será o único juízo para a resolução de disputas que podem terminar com a expropriação e decisão de conceder ou não alguma indenização. Mas a Assembleia Nacional já aprovou várias leis acelerando o processo de expropriação de terras urbanas e varejistas de alimentos, também eliminando o devido processo legal para os proprietários privados.


Mas nem tudo está perdido ainda. Os venezuelanos estão cada vez mais insatisfeitos com um regime dedicado a controlar todos os aspectos das nossas vidas. Mesmo os venezuelanos que antigamente tinham alguma simpatia pelas promessas de Chávez estão percebendo que hoje as palavras estão vazias.

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