domingo, maio 23, 2010

Na fila do SUS, 170 mil esperam por cirurgia

Na fila do SUS, espera sem fim por cirurgias
Autor(es): Agencia o Globo/Fábio Fabrini e Catarina Alencastro
O Globo - 23/05/2010

Pelo menos 170 mil brasileiros estão numa fila invisível em hospitais públicos e conveniados com o SUS, à espera de cirurgia. Aguardam pelas chamadas cirurgias eletivas, que não são de urgência, mas incluem procedimentos fundamentais, como próteses ortopédicas.

Alguns pacientes esperam três anos para ser operados.

Outros vão à Justiça, na esperança de furar a fila com uma liminar.

Nas sete maiores capitais do país, 171 mil pessoas aguardam para serem operadas


Desde que despencou de um ônibus e fraturou o joelho direito, em 2007, o motorista Erismar Sousa Sá, de 36 anos, vive à base de compressas, anti-inflamatórios e injeções para dor. O problema poderia ser resolvido com cirurgia, mas se transformou numa tragédia sem prazo de validade. Quase três anos se passaram, e ele perambula por hospitais públicos do Distrito Federal, à espera do dia de entrar no bisturi. A exemplo de milhares de brasileiros, permanece “encostado” numa fila que não sabe como anda e onde termina. Só nas sete maiores capitais do país — São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Brasília, Fortaleza, Belo Horizonte e Curitiba —, pelo menos 171,6 mil pessoas aguardam a chance de se operar, agonia que pode levar até cinco anos.

O número se refere às chamadas cirurgias eletivas (aquelas que podem ser agendadas, por não implicarem risco imediato à vida). São mais de mil procedimentos, que vão de uma retirada de amígdala à correção de uma fratura na coluna.


A pesquisa foi feita pelo GLOBO nas secretarias municipais e estaduais de Saúde, mas elas próprias admitem que os dados estão subestimados.


Na maioria dos estados e capitais, gestores responsáveis pela administração da fila têm dados parciais sobre a demanda reprimida ou nem sequer os possuem. Em muitos casos, transferem a regulação aos hospitais, que definem as prioridades conforme seus interesses.


O problema da fila tem raiz na estrutura da saúde pública. Como a quantidade de leitos, profissionais e equipamentos é inferior ao necessário, as unidades de saúde priorizam procedimentos de urgência e emergência. Sem uma coordenação unificada dos serviços, o cidadão não sabe quando terá vez.


Também contribui para a fila a lógica do mercado.


Médicos e hospitais conveniados preferem realizar cirurgias privadas ou de convênios, que remuneram melhor que o SUS. Dados do Instituto Brasileiro para Estudo e Desenvolvimento do Setor de Saúde apontam que, em geral, a tabela do serviço público paga 50% do valor coberto pela rede particular. Em Belo Horizonte, uma das poucas cidades que unificaram dados sobre cirurgias numa central, a Secretaria municipal de Saúde tem complementado o valor dos procedimentos, com base no cumprimento de metas, para equilibrar a relação e aumentar a produtividade. Na retirada de um útero, cujo repasse do SUS é de até R$ 460,05, o acréscimo chega a R$ 1 mil.


A precariedade das informações Brasil afora é evidente. Enquanto Belo Horizonte informa ter 51,8 mil pessoas na fila, a Secretaria municipal de Saúde de São Paulo, com população quatro vezes maior, diz ter 22,7 mil pacientes nos hospitais na fila da cirurgia eletiva. O estado, responsável por outra parte da prestação do serviço, não dispõe de estatística. No Rio, o município divulga apenas quantos cidadãos chegaram à etapa final da fila e passam por avaliações clínicas para a cirurgia (5,1 mil), mas não apresenta quantos estão represados em outras fases do processo de espera. Só o Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into) no Rio informou este ano que a fila de espera tem 20 mil pessoas.


Professora de Saúde Pública da UFRJ e diretora do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), Lígia Bahia diz que a situação traz consequências perversas. A espera pode agravar o quadro de saúde. Sem gestão efetiva das filas, não há como priorizar casos mais graves com base na idade, tempo de espera e situação clínica.


A falta de transparência impede que ele saiba em que lugar da lista está.


— Algumas pessoas levam vantagem com isso, o que é uma tragédia — diz a especialista.

Por um sistema único de informações

Reservadamente, secretários municipais admitem que, para os estabelecimentos, é mais interessante financeiramente operar pacientes de menor gravidade, o que garante maior rotatividade dos leitos e lucro.

— Se temos um sistema único de saúde, temos de ter um sistema único de informações.


Essas questões não podem ser decididas por um estabelecimento ou profissional — afirma Lígia. — Tornou-se natural uma pessoa ficar três, cinco anos esperando.


Ela lembra que, em países como Inglaterra, há limites para a espera, e o Brasil tem de caminhar para regulamentação semelhante.


Preocupado com a situação, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) estuda medidas para acabar com a inconsistência e sonegação de informações.


O assunto pautou reuniões nas duas últimas semanas. Mês que vem, o grupo discutirá com o Ministério da Saúde, representantes de estados e municípios proposta da Controladoria Geral da União para a criação de um portal da transparência do SUS, que agregue informações reais sobre o sistema.


A Procuradoria Geral da República se dispôs a colaborar. Segundo o presidente do conselho, Francisco Batista Júnior, quem não tem controle da situação pode ser processado: — É um atestado de incompetência um gestor municipal afirmar que não tem a demanda que precisa atender — critica.


Batista diz que, desde o fim de 2009, cobra do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde, sem sucesso, dados sobre a fila.


Os secretários admitem falhas, mas ponderam que têm feito investimentos para melhorar a gestão. No Rio, das 108 mil internações cirúrgicas do ano passado, apenas a metade passou pelo sistema de regulação da prefeitura, nos cálculos da subsecretária geral de Saúde, Ana Maria Schneider. O restante ficou a cargo dos hospitais. Ela diz que um novo modelo foi implantado.


O Ministério da Saúde não nega a defasagem de sua tabela, mas argumenta que nos últimos anos vem aplicando reajustes. A última atualização, em 2008, teria contemplado mais de mil procedimentos. Na ocasião, dos 90 incluídos na política nacional, 59 tiveram aumentos.


O percentual médio aplicado não foi informado.


Em nota, o ministério também argumenta que, embora a responsabilidade sobre as filas seja de estados e municípios, mantém desde 2004 a Política Nacional de Procedimentos Cirúrgicos de Média Complexidade, para aumentar a produtividade no SUS. Gestores locais enviam projetos apontando suas demandas, e o governo federal repassa verba. O programa abrange 90 tipos de procedimento.


Em 2008, foram enviados 223 projetos, com pedido de 311,4 mil cirurgias em 3.051 municípios.


Até março deste ano, foram transferidos R$ 229,4 milhões para a execução dos serviços.


A avaliação das cirurgias que serão feitas a partir de julho está sendo concluída.

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