quinta-feira, junho 24, 2010

Bem-vindo a um país mais transparente

Autor(es): Gil Castello Branco
Correio Braziliense - 24/06/2010

Economista, fundador da Associação Contas Abertas


Um amigo, Arildo Dória, passando há alguns anos por uma cidade do Entorno do Distrito Federal, encontrou uma placa curiosa. A tábua de madeira, pregada entre duas estacas, anunciava a reforma da praça, o custo da obra e a origem dos recursos, diretamente atribuída ao “Povo de Padre Bernardo”. Diante da informação inusitada, Arildo, velho comunista, sentou-se em um banco que restava na praça para admirar a placa. De fato, convenhamos, é mais correto relacionar a fonte de financiamento ao povo do que aos governos federal, estaduais ou municipais, como costumamos ver nos outdoors que divulgam as obras públicas. O Estado, por si só, não gera um único centavo. Apenas administra o dinheiro arrecadado dos cidadãos e das empresas.

Assim, nada mais natural do que a população saber com detalhes como são aplicados os impostos, taxas e contribuições. Desde o fim do mês passado, isso é possível graças à Lei da Transparência (Lei Complementar 131), de autoria do ex-senador João Capiberibe. Além dos dados do governo federal, do DF e dos estados, já estão — ou deveriam estar — na internet informações pormenorizadas e em tempo real de 273 cidades com mais de 100 mil habitantes.


Como era de se esperar, alguns prefeitos estão resistindo à novidade. Em geral, os políticos gostam de transparência somente nos governos dos adversários. Mas, apesar da contrariedade dos gestores opacos, após a primeira quinzena da lei a impressão é a de que a moda vai pegar.


No caso do governo federal, por exemplo, qualquer pessoa com acesso à internet poderia constatar que foram pagos R$ 48,3 bilhões de juros entre janeiro e abril, quase dez vezes mais do que receberam os beneficiários do Bolsa Família. Descendo às minúcias, saberia que, no dia 27 de maio, o Ministério da Defesa comprou 41 mil quilos de peito de filé de frango por R$ 7,38 o quilo. Aliás, um bom preço — certamente influenciado pela quantidade — se comparado àqueles observados nos supermercados de Brasília. Outro internauta curioso poderia tomar conhecimento de que o custo do aluguel, garagem e condomínio da embaixada brasileira em Tóquio é de R$ 110 mil por mês. Mais alguns cliques e encontraria o funcionário público “campeão” de diárias no ano passado, que recebeu R$ 132.284,35 para participar do desenvolvimento do satélite sino-brasileiro, projeto do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.


Os portais dos estados e municípios também fornecem dados detalhados. Qualquer uma das 20 mil pessoas que compareceram ao VI Festival das Flores, realizado no fim de maio em Itapipoca, cidade do interior do Ceará, poderia comprovar que o som, iluminação, equipe de apoio, decoração, passarela, arena, camarim e filmagem do evento custaram R$ 31.600,00.


As informações, lançadas nos portais em até 24 horas após o registro da despesa, tornam o Brasil um dos países mais transparentes do mundo, sob o ponto de vista orçamentário. Vale ressaltar que a transparência, ao ampliar o controle social, é o principal remédio contra a corrupção e a má qualidade do gasto público.


Em Pernambuco, por exemplo, após a implantação da lei, foi descoberto pela imprensa que, desde 2007, a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico (Fundarpe) pagou R$ 62,7 milhões a 16 empresas, para a realização de eventos. Tudo sem licitação. Para completar, jornalistas visitaram 15 das 16 sedes das entidades contratadas e verificaram que a maioria funcionava em endereços residenciais ou em imóveis incompatíveis com a movimentação financeira dos últimos quatro anos. A Fundarpe explicou que a verba destinou-se ao pagamento de cachês de artistas e que a denúncia é meramente eleitoral. O fato, certo ou errado, evidencia que a exposição das despesas na internet ainda vai dar muito o que falar. Que assim seja.


As prestações de contas vêm de longo tempo. Na Grécia Antiga, a comunidade reunia-se na Ágora, a praça pública, para examinar a contabilidade dos arcontes, embaixadores, generais, sacerdotes e de todos aqueles que geriam o dinheiro público. Nos dias de hoje, a cidadania vem pela via digital. A Ágora do século 21 é a web.


No fim, o essencial é que os homens públicos informem como estão gastando o dinheiro dos cidadãos. O meio não importa, seja a internet ou a placa na praça de Padre Bernardo. Somos todos bem-vindos a um Brasil mais transparente.
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