quarta-feira, julho 28, 2010

Ao censurar, lei eleitoral agride Carta

Autor(es): Agência O Globo
O Globo - 28/07/2010

É provável que a explicação esteja no longo período do mais recente apagão institucional na história da República brasileira, ocorrido de 1964 a 1985, pouco mais de duas décadas. Não se sai incólume de tanto tempo de autoritarismo, mal que se entranha em todo o arcabouço jurídico.


Promulgada em 1988 a Constituição da volta à democracia, ainda restaram dispositivos herdados da ditadura militar, o chamado entulho autoritário. Talvez o mais daninho tenha sido a Lei de Imprensa, assinada em 1967 por Castello Branco, o primeiro dos presidente militares daquele ciclo, e só extinta no ano passado, por decisão do Supremo Tribunal Federal. A mais alta Corte do país aceitou o argumento de que o dispositivo constitucional garantidor da liberdade de imprensa e expressão não requer regulamentação. Logo, aquela lei era inconstitucional. Mas há outros absurdos jurídicos em vigor, como a lei eleitoral, de no9.504. Sequer ela pode ser enquadrada como entulho autoritário legítimo, pois é de 1997. Aprovada quando o país já transitava em pleno estado de direito democrático, esta legislação, no entanto, padece de séria intoxicação de cultura ditatorial.

Um dos seus piores efeitos é, na prática, baixar a censura nos programas humorísticos de TV e rádio, além de engessar a cobertura jornalística dos pleitos. A proibição de trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato ou coligação serve de base para a Justiça impedir, por exemplo, o Casseta & Planeta (TV Globo), CQC(Bandeirantes) ou Pânico na TV (Rede TV) de usarem as eleições como fonte de inspiração. No arsenal jurídico, há multas pesadas e até o poder de retirar o infrator do ar. Seria impensável na mais pujante democracia, nos Estados Unidos. Lá não se impede o humorista de explorar as eleições como matéria prima. Vale relembrar o sucesso dos Saturday Night Live inspirados em Hillary Clinton e Sarah Palin. A própria Hillary, com grande fairplay, apareceu em um dos programas da NBC.


Há um evidente excesso no Brasil. O professor de Direito Constitucional da Uerj Gustavo Binenbojm, em entrevista ao GLOBO, disse entender que o objetivo da lei seja garantir a lisura das eleições, ao impedir candidatos de cometerem excessos na propaganda obrigatória. Como a lei foi redigida e é interpretada, porém, ela amordaçou os programas humorísticos e manifestações artísticas. E assim derrapou para a in-enquaconstitucionalidade, pois a liberdade de expressão não pode ser sobrepujada por outro diploma legal. A legislação incorre no equívoco de discriminar os meios de comunicação, em prejuízo dos eletrônicos, sob o argumento frágil de estes dependerem de concessão pública para difundir imagens e som. A concessão, no entanto, se deve a um imperativo técnico impedir a interferência entre as ondas de transmissão , e não pode servir de pretexto para a censura de qualquer conteúdo de programas de rádio ou TV. É tão discriminatória a legislação que os sites na internet dos meios eletrônicos sofrem as mesmas restrições, ao contrário das versões digitais dos meios impressos. Binenbojm fez duas propostas: o Congresso editar nova norma, corrigindo a atual, ou o Tribunal Superior Eleitoral baixar outra interpretação das restrições este o caminho mais rápido. Nunca é tarde para se cumprir a Constituição, demonstrou o STF ao revogar a Lei de Imprensa.

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