segunda-feira, janeiro 03, 2011

RESENHA DO LIVRO: Pobreza no Brasil: Afinal, de que se Trata?
AUTORA: Sonia Rocha
Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003.
Todo esforço de pesquisa sobre pobreza deve
ter como norte o seu combate e eliminação. O primeiro
passo para isso é saber quem são, quantos
são, onde estão e como vivem os pobres brasileiros.
A professora Sonia Rocha não se furta a essa
tarefa e apresenta nesse livro uma sistematização
de seus estudos sobre a pobreza no Brasil. Assim
o público passa a ter em Pobreza no Brasil uma
referência básica para a questão social mais importante
dos nossos tempos.
A pobreza pode ser entendida de forma geral
como “[...] a situação na qual as necessidades
não são atendidas de forma adequada” (Rocha, p.
9). O problema reside em se saber o que são necessidades
e o que se entende por adequada. Obviamente,
as respostas dependem do contexto socio
econômico específico. Para efeitos práticos, a pobreza
absoluta é definida como o não-atendimento
de um nível mínimo fixo de consumo ou renda
enquanto a pobreza relativa é definida em função
de quão distante se está de um padrão mediano de
consumo ou renda. Sonia Rocha corretamente faz
uso do conceito de pobreza absoluta para o caso
brasileiro. Segundo ela, medidas de pobreza absoluta
em países em desenvolvimento com parcelas
significativas de desprivilegiados ajudam a delimitar
como pobres subpopulações que podem
ser alvos de políticas públicas específicas.
A construção dos índices de pobreza absoluta
é feita em diversas etapas, em cada uma das quais
a autora assume hipóteses específicas. Nesta obra,
a autora atribui para cada indivíduo o valor do consumo
ou renda per capita familiar, pois a família é
tomada como a unidade de consumo e renda.

Sendo um país com renda per capita média
em relação à renda per capita mundial, o Brasil dispõe
de recursos suficientes para garantir um mínimo
essencial a todos e eliminar a pobreza absoluta.
Se existe pobreza é porque a renda está distribuída
desigualmente. A princípio, essa situação
poderia ser mitigada com políticas fiscais que redistribuíssem
renda entre os indivíduos. Contudo,
como demonstra a autora, o efeito distributivo do
imposto de renda no Brasil é muito pequeno. Com
efeito, o índice de Gini da renda familiar per capita
bruta é de 0,6116 e este mesmo índice calculado
a partir da renda líquida após alíquotas e deduções
é de 0,6092 (Rocha, p. 40).
Sonia Rocha estabelece os indicadores de indigência
e pobreza para o Brasil e regiões de 1970
a 1999. Para efeitos de comparação ao longo desse
período, ela recorre aos indicadores elaborados
a partir das informações oriundas do ENDEF de
1974/75. Evidencia-se o declínio da proporção de
pobres no Brasil ao longo do tempo. No Brasil como
um todo, 68,4% eram pobres em 1970. 
Essa proporção declinou para 35,3% em 1980, alcançou
30,3% em 1990 e se estabilizou em 21,1% em
1999 (Rocha, p. 83). 
A redução da pobreza nos anos 70 deveu-se 
basicamente ao rápido crescimento
econômico do período. Ao longo dos anos 80
a pobreza oscilou com as políticas macroeconômicas
stop-and-go e nos anos 90 houve uma quebra
da tendência, mais exatamente em 1994 com o
Plano Real. De fato, 30,4% eram pobres em 1993,
ao passo que em 1995 essa proporção reduziu-se
para 20,6%, ficando em torno disso até hoje. Para
comparações mais recentes a autora recorre também
aos dados das POF’s. Neste caso, calcula-se
que, em 1990, 44,2% da população brasileira era
pobre, enquanto em 1999 essa proporção havia declinado
para 34,9%. Embora as magnitudes sejam
diferentes, a tendência que se observa é a mesma.


A estimação da linha de pobreza em si é feita
em duas partes. Primeiramente se estabelece o valor
da cesta de consumo de bens alimentares e depois o
valor da cesta de consumo de bens não alimentares.
A composição da cesta alimentar deve garantir que
certas exigências nutricionais sejam satisfeitas em termos
de ingestões calóricas e protéicas. A seleção dos
bens que compõem essa cesta é feita a partir da estrutura
de consumo observada naquelas famílias em
que o nível de renda é suficiente para atender a essas
necessidades nutricionais. O valor mínimo dessa cesta
alimentar é denominado de linha de indigência.
O valor da cesta de bens não alimentares envolve
maior arbitrariedade, pois não se tem um critério
claro de escolha dos bens a compor a cesta. Um
expediente comumente utilizado é o uso do coeficiente
de Engel, que estabelece uma relação entre consumo
alimentar e consumo total. Na prática, calculase
o valor do consumo não alimentar daquelas famílias
que gastam em bens alimentares exatamente o
valor da linha de indigência. Assim, o valor da linha
de pobreza passa a ser o valor da linha de indigência
mais o valor da cesta desses bens não alimentares.
Com base nas pesquisas de orçamentos familiares
(POF/IBGE) de 1987/88 e 1996, a autora
estabelece linhas de indigência e pobreza para diferentes
regiões do país e obtém informações de
renda das famílias para vários anos por meio das
pesquisas nacionais por amostragem em domicílio
(PNAD) do IBGE. Aqueles indivíduos com renda
per capita inferior ao valor da linha de indigência
(pobreza) são considerados indigentes (pobres).
Assim, a pobreza é operacionalizada nessa obra
como uma insuficiência de renda.


Obviamente, essa tendência nacional tem
nuanças regionais e entre grupos demográficos.
Por exemplo, houve redução da participação relativa
da pobreza rural e um aumento da participação
da pobreza urbana na pobreza brasileira.
Ademais, a região Nordeste continua sendo a mais
pobre do país.
Sonia Rocha também descreve um detalhado
perfil dos pobres em relação aos não-pobres. Com
base na PNAD de 1999, sabe-se que os de menor
escolaridade, as crianças e os negros e pardos estão
representados na população pobre (Rocha, p. 147).
A renda do trabalho é a principal fonte da renda
das famílias pobres e, enquanto 41% dos não-pobres
estão em relações de trabalho formal, apenas
21% dos pobres estão em tal situação. Ademais,
as famílias pobres têm um menor acesso a serviços
públicos de energia elétrica, água e esgotos adequados
e serviços de coleta de lixo. Obviamente
existem diferenças regionais entre esses perfis. No
Nordeste rural, por exemplo, a pobreza está associada
à pequena produção agrícola geralmente destinada
ao consumo próprio. A maioria dos chefes
de família é analfabeta e o acesso a serviços básicos
é mínimo. Por outro lado, a pobreza nas maiores
metrópoles brasileiras está associada ao funcionamento
do mercado de trabalho, em que a maioria
dos chefes de família está empregada em setores
de baixa produtividade e baixo rendimento.
Ao final, o rico quadro que emerge dessa leitura
é que a pobreza brasileira é um fenômeno complexo
e heterogêneo, mas sua eliminação não parece
ser um objetivo irreal. Ela depende dentre outras
coisas de um conjunto de políticas sociais bem
articuladas e focalizadas que levem em conta especificidades
regionais e demográficas.
André Portela Souza
Departamento de Economia da
Universidade de São Paulo

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