quinta-feira, maio 19, 2011

Palocci
Se o governo quer merecer a confiança da sociedade, deve prestar contas

Encalacrou porque a dúvida que se avoluma não é meramente jurídica ou criminal - não se trata de saber se houve ou se não houve algum ilícito, embora essa interrogação proceda -, mas é antes política e ética. Não é a lei, mas o respeito aos eleitores que impõe ao ministro o imperativo de esclarecer como é que enriqueceu assim. Ele não precisa quebrar a confidencialidade dos clientes da empresa de consultoria que manteve até o ano passado; basta que forneça informações gerais, mas plausíveis. Antes de perguntar se houve afronta à lei, a opinião pública pergunta se houve conflito de interesses - mesmo que não tipificados em lei. Que serviços essa consultoria prestava? A que preços médios? A presidente da República estava informada dessas operações quando o nomeou?

As declarações de "caso encerrado", vindas do Palácio, não respondem a essas perguntas. A manifestação do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, dizendo que a evolução patrimonial de Palocci merece "olhar mais cuidadoso", também não responde, além de nos brindar com uma nova aflição: qual o estatuto jurídico - e ético - de "olhar mais cuidadoso"? O que devemos entender por isso?

Para tumultuar ainda mais o cenário a Casa Civil enviou aos congressistas, na terça-feira, uma mensagem com a seguinte afirmação: "A passagem por Ministério da Fazenda, BNDES ou Banco Central proporciona uma experiência única que dá enorme valor a esses profissionais no mercado". Lá pelas tantas, a mensagem cita nominalmente outros ex-ministros, de outros governos, que também enriqueceram. Com isso a nota da Casa Civil põe mais dois problemas no tabuleiro. Primeiro, parece autorizar a porta giratória entre o Estado e interesses privados, uma prática que as democracias tentam inibir. Depois, pretende estender a ex-ministros que exerceram ou exercem no mercado atividades conhecidas, com cartão de visita e placa na porta do escritório, a mesma dúvida que paira sobre as operações privadas do chefe da Casa Civil. A analogia não vale - e tem sabor de provocação ou de ameaça. A dúvida continua.

Nesse caso, como em poucos outros, se evidencia a diferença entre a esfera da lei e a esfera da ética. A primeira impõe a norma e estabelece punições aos infratores. A segunda lida com escolhas entre alternativas igualmente lícitas, cujos efeitos podem ser bem distintos. É lícito que um cidadão, em dia com suas declarações de renda, não queira prestar contas ao público sobre seus negócios. Nada de ilegal nisso. Mas será essa a melhor escolha para o ministro e para a Presidência da República? Se o governo quer merecer a confiança da sociedade, deve prestar contas. Sem moralismo, sem prejulgamentos, os eleitores esperam. No coração do poder, porém, nem sempre vence a transparência. Nem sempre a legitimidade prevalece. No coração do poder, às vezes triunfa o poder sem coração - e então, um dia, ele cai. MAIS
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