sábado, setembro 01, 2012

Biografia: John Locke
Durante os tumultos políticos do século XVII, quando o primeiro programa liberal se desenvolveu, o argumento mais influente pelos direitos naturais nasceu da pena do intelectual John Locke. Ele expressou a opinião radical de que o governo tem a obrigação moral de servir as pessoas protegendo sua vida, liberdade e propriedade; explicou o princípio dos freios e contrapesos para limitar o poder do governo; e defendeu o governo representativo e o estado de direito. Denunciou a tirania e insistiu que, quando o governo viola os direitos individuais, as pessoas têm o direito legítimo de rebelar-se. Estas opiniões foram expressas de forma mais completa em seu famoso Segundo tratado sobre o governo civil, e eram tão radicais que ele jamais ousou assiná-lo (ele assumiu a autoria apenas em seu testamento). Os escritos de Locke tiveram muita importância na inspiração dos ideais liberais da revolução americana, um exemplo que inspirou povos por toda a Europa, a América Latina e a Ásia.
Thomas Jefferson considerava Locke, junto com seu compatriota Algernon Sidney, o mais importante pensador da liberdade. Locke ajudou a inspirar as ideias radicais de Thomas Paine sobre a revolução. Ele entusiasmou George Mason. De Locke, James Madison extraiu seus princípios mais fundamentais a respeito da liberdade e do governo. As obras de Locke fizeram parte da educação autodidata de Benjamin Franklin, e John Adams acreditava que tanto meninos quanto meninas deveriam aprender sobre Locke. O filósofo francês Voltaire chamou Locke de “o homem da maior sabedoria. O que ele não viu com clareza, não tenho esperanças de jamais ver”.
No entanto, ao começar a desenvolver suas ideias, Locke era um acadêmico de Oxford sem nenhuma distinção. Ele tinha uma breve experiência em uma missão diplomática fracassada e era um médico sem as credenciais tradicionais e com apenas um paciente. Sua primeira grande obra não foi publicada até seus cinquenta e sete anos. Asma e outras doenças crônicas o perturbavam.
Não havia muito na aparência de Locke que pudesse sugerir grandeza. Era alto e magro. Segundo o biógrafo Maurice Cranston, tinha um “rosto longo, nariz grande e olhos suaves e melancólicos”. Embora tenha tido um caso amoroso que “roubou-me o uso da razão”, Locke morreu solteiro.
Mesmo assim, alguns de seus contemporâneos notáveis tinham grande respeito por Locke. O matemático e físico Isaac Newton apreciava sua companhia. Locke ajudou o quaker William Penn a recuperar sua boa reputação quando ele se tornou um fugitivo político, assim como Penn conseguira fazer Locke ser perdoado quando ele havia sido um fugitivo político. O famoso médico inglês Dr. Thomas Sydenham descreveu-o como “um homem que, pela agudeza de seu intelecto, pela firmeza de seu discernimento, pela simplicidade, ou seja, pela excelência de seus modos, posso seguramente declarar ter, entre os homens de nossa época, poucos iguais e nenhum superior”.
John Locke nasceu em Somerset, Inglaterra, em 29 de agosto de 1632. Era o filho mais velho de Agnes Keen, filha de um curtidor de couro de uma cidade pequena, e John Locke, um advogado puritano de poucas posses que trabalhava como assistente de juízes de paz.
Locke tinha dezessete anos quando forças a serviço do parlamento enforcaram o rei Carlos I, abrindo caminho para a ditadura militar de Oliver Cromwell. Em 1652, após se formar na prestigiada Westminster School, Locke ganhou uma bolsa para estudar em Christ Church, na Universidade de Oxford, que formava principalmente clérigos. Em novembro de 1665, através de seus contatos em Oxford, Locke foi enviado para uma missão diplomática em Brandenburgo. A experiência foi reveladora, porque Brandenburgo tinha uma política de tolerância de católicos, calvinistas e luteranos, e havia paz.
Durante o verão de 1666, o rico e influente Anthony Ashley Cooper, Conde de Shaftsbury, visitou Oxford. Lá ele conheceu Locke, que então estudava medicina. Cooper, um defensor da tolerância religiosa (exceto para católicos), sofria de um cisto no fígado que corria o risco de infecção e inchaço, e convidou Locke para ser seu médico pessoal. Locke mudou-se para um quarto da Exeter House, mansão de Cooper em Westminster, em Londres. Quando a infecção de Shaftsbury piorou, Locke administrou um tratamento bem-sucedido.
Shaftsbury continuou a empregar Locke para analisar a tolerância religiosa, a educação, o comércio, e outros assuntos relacionados, e, entre outras questões, Locke se opôs aos esforços do governo para restringir as taxas de juros. Locke participava de praticamente todas as atividades de Shaftsbury. Shaftsbury formou o partido Whig, e Locke escreveu cartas para ajudar a influenciar as decisões do parlamento. Shaftsbury ficou preso por um ano na Torre de Londres; e então ele ajudou a passar a lei de Habeas Corpus (1679), que tornava ilegal a detenção pelo governo de qualquer pessoa contra a qual não houvesse acusação formal, e especificava que ninguém poderia ser levado a julgamento duas vezes pela mesma acusação. Shaftsbury apoiou leis de exclusão, cujo objetivo era retirar o irmão católico do rei da linha de sucessão.
Em março de 1681, Carlos II dissolveu o parlamento, e logo ficou claro que ele não pretendia convocá-lo novamente. Consequentemente, a rebelião era a única forma de prevenir o absolutismo da dinastia Stuart. Shaftsbury era o oponente mais perigoso do rei, e Locke estava a seu lado. Ele preparou um ataque contraPatriarcha, or The Natural Power of Kings Asserted [“Patriarcha, ou a afirmação do poder natural dos reis”] (1680), de Robert Filmer, que alegava que Deus sancionava o poder absoluto dos monarcas. O ataque era arriscado, pois poderia facilmente ser alvo de processos judiciais se fosse considerado um ataque contra o rei Carlos II. O autor de panfletos James Tyrrell, que Locke havia conhecido em Oxford, deixou anônimo seu próprio ataque contra Filmer, Patriarcha Non Monarcha or The Patriarch Unmonarch’d [“Patriarcha Non Monarcha ou O patriarca não é monarca”], que apenas deixava implícito o direito de se rebelar contra tiranos.
Locke trabalhou em seu quarto na Exeter House de Shaftsbury, cujas paredes eram cobertas de estantes de livros, baseando-se em sua experiência política. Ele escreveu um tratado que atacava a doutrina de Filmer, negando a alegação de que a Bíblia sancionava tiranos e de que os pais tinham autoridade absoluta sobre seus filhos. Ele então escreveu um segundo tratado, que apresentava um grandioso argumento em prol da liberdade e do direito do povo de se rebelar contra tiranos. Os princípios eram substancialmente derivados de Tyrrell, mas Locke os levou a suas consequencias mais radicais: um ataque explícito contra a escravidão e uma defesa da revolução.
Conforme Carlos II aprofundava sua campanha contra os rebeldes, Shaftsbury fugiu para a Holanda em novembro de 1682, e lá faleceu, dois meses mais tarde. Em 21 de julho de 1683, é provável que Locke tenha visto a Universidade de Oxford queimar livros considerados perigosos em Bodleian Quadrangle. Foi a última queima de livros na Inglaterra. Locke possuía alguns dos títulos condenados e, temendo que seu quarto fosse revistado, escondeu os rascunhos de seus dois tratados com Tyrrell. Ele deixou Oxford, visitou propriedades rurais que havia herdado de seu pai, e fugiu para Rotterdam em 7 de setembro. O governo inglês tentou obter sua extradição, para que fosse julgado, e, presumivelmente, enforcado. Ele adotou o nome de Dr. Van den Linden, e assinava suas cartas como “Lamy” ou “Dr. Lynne”. Prevendo que o governo pudesse interceptar sua correspondência, ele protegeu seus amigos referindo-se a eles por números ou nomes falsos.
Carlos II morreu em fevereiro de 1685, e seu irmão assumiu o trono, tornando-se Jaime II. O novo rei passou a promover o catolicismo na Inglaterra. Substituiu os anglicanos em cargos da igreja e da polícia por católicos, e nomeou oficiais católicos para o exército. Tudo isso foi uma ameaça para os ingleses, que prezavam sua independência tanto do Papa quanto dos reis católicos.
Enquanto isso, Locke, ainda na Holanda, trabalhava em sua obra-prima, Ensaio sobre o entendimento humano, que exortava as pessoas a basear suas convicções em observações e na razão. Ele também escreveu uma carta em defesa da tolerância religiosa (exceto para ateus, que não poderiam fazer juramentos legalmente válidos, e católicos, leais a uma potência estrangeira).
Em junho de 1688, Jaime II anunciou o nascimento de um filho – e surgiu a ameaça de uma sucessão católica. Os Tories, ingleses defensores do absolutismo monárquico, adotaram ideias revolucionárias dos Whigs. O holandês Guilherme de Orange, concordando em reconhecer a supremacia do parlamento, atravessou o Canal da Mancha em 5 de novembro de 1688, e, em um mês, Jaime II fugiu para a França. Esta Revolução Gloriosa garantiu uma sucessão protestante e a supremacia do parlamento sem violência.
Locke retornou à Inglaterra, e ao longo dos doze meses seguintes suas principais obras foram publicadas. De repente, ele se tornou conhecido. Sua Carta acerca da tolerância, publicada em outubro de 1689, opunha-se à perseguição e pedia tolerância para anabatistas, independentes, presbiterianos e quakers. “A Magistratura”, declarou Locke, “não deve proibir a pregação ou profissão das opiniões especulativas de nenhuma igreja, porque elas não têm relação alguma com os direitos civis dos súditos. Se um católico romano acredita que aquilo que os demais homens chamam de pão é realmente o corpo de Cristo, ele não lesa o próximo de forma alguma. Se um judeu não acredita que o Novo Testamento é a palavra de Deus, ele não altera em nada os direitos civis dos homens. Se um pagão duvida de ambos os Testamentos, ele não deve por conta disso ser punido como um cidadão pernicioso”. A Carta de Locke inspirou respostas, e ele escreveu duas outras cartas em 1690 e 1692.
Os dois tratados de Locke sobre o governo também foram publicados em outubro de 1689 (com a data de 1680 na folha de rosto). Embora filósofos posteriores os tenham ridicularizado porque Locke baseava seu pensamento em noções arcaicas a respeito de um estado de natureza, seus princípios fundamentais permanecem. Locke se preocupava com o poder arbitrário, que “se torna tirania, não importando se tal poder é exercido por um ou por muitos”. Ele defendia a tradição do direito natural, cuja história remonta aos judeus antigos: a tradição segundo a qual os governantes não podem, legitimamente, fazer o que bem entenderem, porque as leis morais se aplicam a todos. “A razão, que é esta lei”, declarou, “ensina a toda a humanidade, que precisa apenas consultá-la, que, sendo todos iguais e independentes, nenhum homem deve prejudicar outro em sua vida, saúde, liberdade e posses”. Locke descreveu o império da lei: “viver segundo uma lei estável, comum a todos daquela sociedade, e criada pelo Poder Legislativo da sociedade; Liberdade de seguir minha própria vontade em todas as coisas sobre as quais a lei não disponha, e não estar sujeito à vontade inconstante, incerta, desconhecida e arbitrária de outro homem”.
Locke explicou que a propriedade privada é absolutamente essencial para a liberdade: “Todo homem tem direito de propriedade sobre sua própria pessoa. A ela ninguém tem direito algum além dele próprio. O trabalho de seu próprio corpo, podemos dizer, pertence a ele… O grande e principal fim, portanto, pelo qual os homens unem-se em sociedades e submetem-se a governos é a preservação de sua propriedade”. Para Locke, as pessoas legitimamente transformam propriedade comum em propriedade privada ao misturar seu trabalho com ela, melhorando-a. Marxistas gostavam de afirmar que isso significa que Locke acreditava na teoria do valor-trabalho, mas ele se referia à origem da propriedade, e não do valor.
Ele insistia que o povo é soberano, e não seus governantes. O governo, escreveu, “não pode nunca ter o poder de tomar para si mesmo o todo ou parte da propriedade dos súditos sem seu consentimento. Pois isso seria efetivamente deixá-los sem propriedade alguma”. Ele explicita ainda mais este raciocínio: os governantes “não podem recolher impostos sobre a propriedade do povo sem o consentimento do povo, expresso por eles mesmos ou seus representantes”. Ele então afirma o direito explícito à revolução: “Quando os legisladores tentam tomar e destruir a propriedade do povo, ou reduzi-lo à escravidão sob poder arbitrário, eles se colocam em estado de guerra com o povo, que está então desobrigado de qualquer obediência e deixado ao refúgio comum contra a força e a violência dado por Deus a todos os homens. Portanto, sempre que o legislativo transgredir esta regra fundamental da sociedade, e, por ambição, medo, loucura ou corrupção, tentar tomar para si ou pôr nas mãos de qualquer outro um poder arbitrário sobre as vidas, liberdades e posses do povo; por essa quebra de confiança ele abre mão do poder que o povo lhe havia concedido para fins bastante contrários, e ele retorna ao povo, que tem o direito de retomar sua liberdade original”.
Para garantir seu anonimato, Locke negociou com o impressor através de um amigo, Edward Clarke, que pode ter sido a única pessoa a conhecer a verdadeira identidade do autor. Locke negou rumores de que ele seria o autor, e implorou a seus amigos para que mantivessem suas especulações em segredo. Ele cortou relações com aqueles que, como James Tyrrell, insistiam em se referir a ele como o autor. Locke destruiu os manuscritos originais e todas as referências às obras em seus escritos. Ele só reconheceu a autoria por escrito em um anexo a seu testamento, assinado poucas semanas antes de sua morte. Ironicamente, os dois tratados quase não receberam atenção durante sua vida. Ninguém nem se deu ao trabalho de atacá-los, como aconteceu com as obras assinadas de Locke sobre religião.
A assinatura de Locke apareceu no Ensaio sobre o entendimento humano, que foi publicado em dezembro de 1689 e fez dele o principal filósofo da Inglaterra. O ensaio desafiou a doutrina tradicional de que o aprendizado consiste apenas da leitura de textos antigos e da absorção de dogmas religiosos. A compreensão do mundo, argumentava ele, exige observação. Ele exortava as pessoas a pensarem por si mesmas, usando a razão como guia. Este ensaio se tornou uma das obras filosóficas mais reeditadas e influentes.
Em 1693, Locke publicou Alguns pensamentos referentes à educação, oferecendo muitas ideias que soam tão revolucionárias hoje como soaram na época. Ele declarou que o objetivo da educação é a liberdade. Ele acreditava que dar um exemplo pessoal é a forma mais eficiente de ensinar valores morais e habilidades fundamentais, e por isso recomendava que as crianças recebessem sua educação em casa. Ele tinha objeções às escolas estatais e apelava aos pais para que estimulassem o gênio único de cada criança.
Francis e Damaris Marsham, amigos de Locke, convidaram-no a passar seus últimos anos em Oates, sua casa de campo em North Essex, a cerca de vinte e cinco milhas de Londres. Ele tinha um quarto no térreo, e um estúdio que continha a maior parte de sua biblioteca de 5.000 volumes. Ele insistia em pagar: uma libra por semana para si mesmo e seu empregado, mais um xelim por semana para seu cavalo. A saúde de Locke piorou gradualmente, e em outubro de 1704 ele mal conseguia levantar-se e vestir-se. Por volta das três horas da tarde de sábado, 28 de outubro, ele faleceu, sentado em seu estúdio em companhia de Lady Marsham. Tinha setenta e dois anos. Foi enterrado no cemitério de High Laver.
Durante a década de 1720, dois autores ingleses radicais, John Trenchard e Thomas Gordon, publicaram as Cato’s Letters [“Cartas de Catão”], uma série de ensaios publicados em jornais londrinos que tiveram influência direta sobre os pensadores americanos. A influência de Locke estava mais aparente na declaração de independência, na separação constitucional de poderes, e na Bill of Rights [declaração dos direitos dos cidadãos].
Na mesma época, Voltaire, o espirituoso crítico da intolerância religiosa, promovia as ideias de Locke na França. O Barão de Montesquieu desenvolveu as ideias de Locke sobre a separação de poderes. A doutrina de direitos naturais de Locke foi incorporada à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, mas sua crença na separação de poderes e na santidade da propriedade privada nunca fincou raízes na França.
Depois Locke praticamente desapareceu do debate intelectual. Uma reação conservadora tomou a Europa conforme o discurso dos direitos naturais passava a ser associado à rebelião e às guerras napoleônicas. Na Inglaterra, o filósofo utilitarista Jeremy Bentham ridicularizou os direitos naturais, propondo que as políticas públicas fossem determinadas pelo princípio da maior felicidade para o maior número. Mas tanto conservadores quanto utilitaristas ficaram intelectualmente indefesos quando governos exigiram mais poder para roubar, prender, e até assassinar pessoas, pretensamente para fazer o bem.
No século XX, a ficcionista e filósofa Ayn Rand e o economista Murray Rothbard, entre outros, voltaram a fazer vigorosas defesas morais da liberdade baseadas nos direitos naturais, e estabeleceram um padrão moral significativo para determinar se as leis são justas. Eles inspiraram milhões com a máxima de que todas as pessoas, em todos os lugares, nascem com direitos iguais à vida, à liberdade, e à propriedade. Apoiavam-se nos ombros de John Locke.

SOBRE O AUTOR

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Jim Powell, senior fellow do Cato Institute, é especialista na história da liberdade. Seu livro mais recente é Greatest Emancipations: How the West Abolished Slavery.


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