quinta-feira, fevereiro 28, 2013



por Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos

Um pouco de luz para os serviços de recuperação e conservação das estradas vicinais de terra



A rede brasileira de estradas de rodagem alcança um total de aproximadamente 1.750.000 quilômetros, dos quais cerca de 1.580.000 correspondem a estradas vicinais e rurais de terra.

No Estado de São Paulo, o estado mais desenvolvido do país, a rede rodoviária total atinge cerca de 200.000 quilômetros, dos quais cerca de apenas 27.000 correspondem a rodovias pavimentadas, ou seja, menos de 15% do total. 



Desses números depreende-se de forma clara e inequívoca a importância da rede rodoviária de estradas de terra para a economia nacional e as economias estaduais e municipais. Grande parte de nossa produção agrícola e agroindustrial é ainda transportada, especialmente nos trechos iniciais de suas rotas, por estradas de terra. 

Como também, na zona rural milhões de pessoas utilizam-se diariamente dessas estradas nas suas locomoções para o trabalho, para escolas, para atendimentos de saúde, para vender e comprar mercadorias, enfim para todos os tipos de atividades humanas que exigem algum deslocamento. 

Diante dessa importância social e econômica para o país e seus cidadãos, choca o fato dessa extensa rede rodoviária encontrar-se, há já algumas décadas, literalmente abandonada; do que decorrem suas péssimas condições de tráfego. Mas, diferentemente do abandono a que também está submetida a rede de rodovias pavimentadas, e onde o problema básico está na falta de investimentos em obras de infra-estrutura, o caso das estradas de terra envolve uma importante questão de ordem tecnológica. 

Necessário considerar, de início, que frente à extensão da rede rodoviária de estradas de terra não faz sentido pensarmos na pavimentação como solução para esse tipo de rodovia, dados os astronômicos custos que para tanto seriam necessários, ou seja, o desafio para a recuperação dessas vias está inteiramente associado a uma correta operação técnica e logística de permanentes serviços de conservação especificamente orientados para esse tipo de estrada. 

Quanto ao aspecto tecnológico, convém ressaltar que nossas estradas de terra, especialmente a partir da década de 50 do século XX, passaram a ser solicitadas progressivamente por um trânsito mais intenso e por veículos mais pesados e, portanto, por um tipo de tráfego que maiores desgastes impõe às pistas. 

Paralelamente a essa alteração no tipo de tráfego, acontecia nessas décadas uma mudança radical nas tecnologias de conservação das estradas de terra. Do antigo sistema apoiado na histórica figura do “conserveiro”, qual seja o funcionário cuja missão permanente estava na da correção de pequenos defeitos em um combinado trecho viário (algo como 5 a 10 quilômetros por “conserveiro”), impedindo a evolução de problemas por atacá-los logo em seu início, passou-se aceleradamente para uma conservação essencialmente baseada na utilização periódica da “patrol”, qual seja a moto-niveladora, normalmente proporcionada pelas Prefeituras dos municípios em que os trechos se localizavam ou por programas estaduais de apoio. 

A adoção intempestiva da tecnologia de conservação apoiada na utilização periódica da patrol constituiu um desastre para nossa rede de estradas de terra. E ajuda em muito explicar o atual lamentável estado em que se encontram. As ilusórias ótimas condições de tráfego que se observam logo após a passagem da moto-niveladora (“aquilo ficou parecendo uma mesa de bilhar!”) na verdade escondem o iminente desastre que se seguirá logo à frente com as primeiras chuvas. 

O fato é que a patrol nivela a pista tendo como referência o nível de fundo dos buracos. Isto é, ela remove, raspa a camada superficial originalmente compactada pelo tráfego até atingir o nível dos fundos dos buracos, deixando a pista perfeitamente lisa e aprumada, mas em um nível mais profundo, em que os materiais são geralmente de pior qualidade geotécnica, não estão compactados e são mais facilmente erodíveis. Como conseqüência também gravíssima, com o constante aprofundamento da pista, decorrente da patrolagem sistemática, a estrada vai ficando encaixada, com taludes (barrancos) laterais que impedem que as águas de chuva sejam drenadas (sangradas) para os terrenos laterais. Resultado, mais água corre pela pista, o que vai gerar erosões enormes, verdadeiras ravinas que vão destruindo por completo a plataforma, dificultando e encarecendo sua recuperação. 

A adoção descriteriosa da conservação por equipamentos mecânicos (observar que aqui não se critica o uso de maquinário, mas sim seu uso sem nenhum cuidado tecnológico que aproveite suas vantagens e evite suas desvantagens) também implicou que não mais se levasse em conta as diferentes características geológicas dos terrenos atravessados por nossas vias rurais. E que, de alguma forma, determinavam seus tipos mais comuns de problemas, a possibilidade de existência nas proximidades de materiais de empréstimo adequados ou não, e outros aspectos técnicos fundamentais para uma boa prática de conservação. 

Outro aspecto de ordem tecnológica: com o desaparecimento da figura do “conserveiro” e dos mestres de obra que orientavam seus trabalhos, muita técnica boa de conservação se perdeu, uma vez que esses conhecimentos empíricos nunca foram devidamente registrados ou ensinados para o aproveitamento de outras gerações de funcionários. 

Em resumo, um bom programa de conservação e recuperação de nossas estradas de terra tem que forçosamente levar em consideração todas essas questões de ordem tecnológica. Como apoio a programas que pretendessem considerar essa abordagem, uma equipe técnica coordenada pelo autor desse artigo produziu em 1985 o MANUAL TÉCNICO PARA CONSERVAÇÃO E RECUPERAÇÃO DE ESTRADAS VICINAIS DE TERRA, editado pelo IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo, com o apoio da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico. 

A elaboração desse Manual implicou em um intenso trabalho de campo de resgate de técnicas já abandonadas e de desenvolvimento de novas técnicas mais compatíveis com as condições atuais de tráfego e com os equipamentos atualmente disponíveis. 

Teve também esse Manual o cuidado de, em linguagem simples, trazer uma série de informações técnicas para seu leitor e usuário, de tal forma que conhecendo o comportamento e características geotécnicas dos diferentes materiais naturais (argila, silte, areias, cascalhos, piçarras ...) e dos diferentes tipos de tratamentos primários que pode se dar à pista de rolamento (revestimento primário, agulhamento, mistura areia-argila, reforço do sub-leito...), ele próprio pudesse ter a capacidade de criar boas soluções frente às características geológicas de sua área de trabalho. 

Uma outra grande vantagem do Manual é que orienta o leitor a chegar à solução mais adequada a partir do próprio problema que a estrada apresenta. Ou seja, perceber que o aparecimento de um determinado problema (ondulações, rodeiros, atoleiros, areiões de espigão, areiões de baixada, excesso de pó, rocha aflorante, pista molhada derrapante, pista seca derrapante, costelas de vaca, segregação lateral de cascalho, buracos, erosões em ravina, etc) certamente permitirá identificar suas causas e, portanto, saber como corrigi-lo. 

O referido Manual foi na época (1985) distribuído a milhares de municípios brasileiros. Tal foi o número de pedidos que teve uma reedição em 1988. Mas essas coisas acabam se perdendo em fundos de gavetas ou até não chegando ao conhecimento das pessoas devidas. Sugerimos às Prefeituras e aos leitores interessados que solicitem-no através do endereço eletrônico do IPT: www.ipt.br. 

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