quinta-feira, fevereiro 28, 2013

TÍTULO

A indústria da transparência


Autor(es): Gil Castello Branco
O Estado de S. Paulo - 25/02/2013

É conhecida a piada do sujeito que pediu di­nheiro emprestado ao amigo alegando que a mulher estava grávida, prestes a ter o bebê, e ele, despreparado. O amigo, esperto, respondeu- lhe: "Se você, que já sabia disso há nove meses, está desprepara­do, imagine eu, que acabo de ser informado...".
A história vem à tona na oca­sião em que algumas prefeituras estão reclamando da vigência plena da Lei Complementar n.º 131, que determina a divulgação das receitas e despesas na inter­net, de forma online e pormeno­rizada. A chamada "Lei da Trans­parência", de autoria do senador João Capiberibe, foi aprovada em 27 de maio de 2009, com pra­zos gradativos para a implanta­ção dos portais. Até o momento, 612 cidades brasileiras com mais de 50 mil habitantes estão obri­gadas a alimentar os seus sites com informações sobre a execu­ção orçamentária. Daqui a três meses, entretanto, a norma abrangerá todos os 5.570 municí­pios do Brasil. Assim, novas 4.958 cidades, com população in­ferior a 50 mil habitantes, terão de construir ou aprimorar os seus portais. Como sabiam dis­so há quatro anos, é curioso que algumas prefeituras aleguem es­tar despreparadas.
Na verdade, os políticos gostam de muita transparência, mas nos governos dos adversá­rios. Mas, se os recém-eleitos ou reeleitos quiserem mesmo ser transparentes, deverão colocar nos sites o orçamento previsto e a execução, a origem da receita, as dívidas, os pagamentos a pes­soas físicas e jurídicas, os nomes dos funcionários públicos com os respectivos cargos e salários, o que foi comprado, por quanto, de quem, os bens adquiridos e os serviços prestados, as licitações, os contratos e os programas im­plementados, entre outras infor­mações relevantes para a socie­dade saber o que está sendo fei­to à custa dos seus impostos, ta­xas e contribuições.
Como desde a Lei de Respon­sabilidade Fiscal (LRF), publica­da em 4 de maio de 2000, os mu­nicípios encaminham à Secreta­ria do Tesouro Nacional (STN) o Relatório Resumido de Execu­ção Orçamentária (RREO) e o Relatório de Gestão Fiscal (RGF), as informações existem. Agora é colocá-las na internet.
Para a lei ser cumprida, não bastará o site municipal conter o currículo e a foto do prefeito, o telefone do Corpo de Bombeiros e outras informações do gênero. O detalhamento será fundamen­tal para que sejam multiplicados os "auditores", o que irá aprimo­rar as administrações públicas. Caso a Secretaria do Tesouro Nacional leve o assunto a sério, o  descumprimento da legislação  poderá implicar a suspensão das transferências voluntárias.
Em São Paulo, por exemplo, prefeitos de 518 cidades deverão inaugurar ou melhorar os por­tais existentes. Dentre essas lo­calidades estão, por exemplo, Campos do Jordão, com população próxima a 50 mil habitantes, e, no outro extremo, o município de Borá, com apenas 807 cidadãos. E, a julgar pela análise que a Associação Contas Aber­tas realizou dos portais das cida­des paulistas já abrangidas pela lei, a implantação dos sites nos demais municípios do Estado de São Paulo será uma odisseia.
Com base em 105 critérios es­tabelecidos por especialistas da Unicamp, FGV, Universidade de Brasília, Tribunal de Contas dos Municípios do Ceará, Con- troladoria-Geral da União, Asso­ciação Brasileira de Jornalismo Investigativo e da própria Con­tas Abertas, foi criado o índice de Transparência, que atribuinotas de zero a dez para os muni­cípios com menor ou maior clareza nas informações que pres­tam à sociedade.
A nota média de 3,97 dos 124 municípios analisados em outu­bro do ano passado demonstra a má qualidade dos portais das maiores cidades do Estado de São Paulo. Além disso, 70% dos municípios tiveram de contra­tar empresas de informática pa­ra a construção dos seus sítios. Quanto menor o município,  maior foi a tendência de recor­rer à iniciativa privada. Apenas três empresas desenvolveram os portais de 59 municípios. Exis­tem portais praticamente idênti­cos em diferentes cidades.
Com o mercado multiplicado, está em funcionamento verda­deira "indústria de transparên­cia". Representantes de empre­sas de informática rondam as ci­dades brasileiras para oferecer serviços, o que é legítimo. Na rea­lidade, o problema não são os portais terem sido desenvolvi­dos por um órgão público ou pri­vado. O crucial é que a qualidade deixa muito a desejar, inviabili­zando o efetivo controle social.
Diante da amostragem dos 124 municípios paulistas, não é difícil imaginar o que poderá acontecer nas 4.958 cidades bra­sileiras que nos próximos três meses terão decolocar as suas contas na web. Em curto prazo, a atividade de confeccionar sites tende a ser altamente lucrativa para alguns empresários e extre­mamente onerosa para os milha­res de cidades brasileiras.
Neste cenário, cabe aos Esta­dos e às prefeituras de maior por­te que possuem bons portais co­laborar com os pequenos muni­cípios. No fim do ano passado, o Conselho de Transparência da Administração Pública do Esta­do de São Paulo - formado por representantes dos Poderes Exe­cutivo, Legislativo e Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública, além de entidades não governamentais - interes­sou-se pelo tema e sugeriu que os órgãos estaduais afins auxi­liem na difícil tarefa a ser cum­prida pelas cidades paulistas de menor porte. A ideia pode ser replicada em outros Estados. Afinal, se empresas de informáti­ca podem implantar o mesmo portal em várias cidades, o Esta­do poderá fazê-lo com melhor qualidade e menor custo para os contribuintes.
Há quase um século, o juiz americano Louis Brandeis disse que "a luz do sol é o melhor dos desinfetantes", referindo-se ao sistema financeiro americano. No Brasil, existe uma luz no fim do túnel e a transparência, aos trancos e barrancos, está a cami­nho. A criança precisa nascer em breve, forte e saudável, estejam ou não os pais preparados.

***
Google
online
Google